OPÇÃO “SIGILOSO” DO PJE E ATENTADO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

  1. Introdução

 

A tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças por meio eletrônico já é uma realidade, devidamente regulamentada pela Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução n. 185, de 18 de dezembro de 2013, instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe como o sistema informatizado de processo judicial no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.

Segundo dados divulgados, em junho de 2020, existiam 54.883.805 processos em tramitação na plataforma PJe, sendo aproximadamente 23 milhões na Justiça do Trabalho, 23 milhões na Justiça Estadual, 7 milhões na Justiça Federal e o remanescente dividido entre Justiças Eleitoral e Militar.[1]

Mais: o PJe encontra-se implantado nos tribunais estaduais da Bahia, Ceara, Distrito Federal, Espirito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, nos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 3ª e 5ª Região, em todos os Tribunais Regionais do Trabalho, no Tribunal Superior Eleitoral, no Tribunal Superior do Trabalho e outros.[2]

A informatização do processo judicial tem por justificativa a racionalização da utilização de recursos orçamentários pelos órgãos do Poder Judiciário, bem como a materialização da celeridade processual e a melhoria da qualidade da prestação jurisdicional (Resolução CNJ n. 185/2013). Entretanto, a implantação do PJe trouxe problemas e desafios, muitos deles ainda não resolvidos, embora nítido o esforço do CNJ na construção de uma plataforma unificada e orientada a diversos microsserviços essenciais à Justiça, aos jurisdicionados e aos usuários, em especial advogados.

O presente estudo identifica um desses problemas: a inserção de peças processuais e documentos pelos advogados gravados como “sigilosos”. Também se oferecem soluções sobretudo com enfoque prático.

 

  1. O problema: a opção “sigiloso” do PJe

 

O estudo versa exclusivamente sobre a plataforma PJe por ser ela o paradigma utilizado pelo CNJ (Resolução n. 185/2013) e a mais difundida no Poder Judiciário. Registre-se outrossim que, por haver possibilidade de adaptações do PJe para cada tribunal que o utiliza, não se está afirmando aqui que o problema é identificado em todos os tribunais que se servem da referida plataforma. A experiência dos autores é como usuários, na qualidade de advogados, do “Processo Judicial Eletrônico – 1º Grau do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais”, sendo este o enfoque do estudo.

Feitas as delimitações alhures, indaga-se: o que é a opção “sigiloso” do PJe?

O PJe é uma plataforma que permite, na forma da Lei n. 11.419/2006, a transmissão de peças processuais e documentos por meio eletrônico, além de outras funcionalidades que, neste momento, não interessam. Quando se realiza a transmissão de peças e documentos, o PJe abre opção para o advogado marcá-los como “sigiloso”.

Veja abaixo exemplo de caso real, com a opção “sigiloso” identificada pela seta:

fig1

A marcação “sigiloso” é autorizada em processos judiciais que tramitam ou não em segredo de justiça, isto é, não importa se estão enquadrados ou não nas hipóteses do art. 189 do Código de Processo Civil – CPC. Cabe ao advogado, portanto, definir o que é “sigiloso” e marcar, de acordo com a sua conveniência e entendimento, as peças e ou os documentos que devem ser acobertados como “sigiloso”.

Uma vez marcada, a peça ou documento torna-se inacessível tanto para a parte contrária e seu advogado, assim como para terceiros que eventualmente consultarem o feitonem mesmo serventuários da justiça tomarão conhecimento da existência da peça ou do documento.[3] É como se a peça ou o documento desaparecesse, exceto para o magistrado e advogado responsável por eleger a opção “sigiloso”.

Abaixo, outro exemplo real, com consulta feita a partir do certificado digital de um dos autores, que marcou a opção “sigiloso” em declarações de renda, extrato bancário e faturas de cartão de crédito de seu cliente, e com o certificado digital do outro autor, que acessou o processo na condição de terceiro:

Perceba-se que os documentos marcados com a opção “sigiloso” são identificados em vermelho, na tela do PJe, para o advogado que ali os inseriu (ids. 4705403046 e 4705948018). Para o advogado da parte contrária e terceiros, contudo, referidos documentos sequer são listados pela plataforma PJe (veja que o último documento é o id. 4705473087). Insista-se no ponto: é como se não existissem para o patrono da contraparte ou terceiros, que nem mesmo tomarão conhecimento de que peças e ou documentos “sigilosos” foram inseridos na plataforma.

É justamente nesse ponto que reside o problema que aqui se denuncia.

Não se ignora que há peças e documentos, ainda que inseridos em processos cuja tramitação não ocorre em segredo de justiça, carregam consigo a necessidade de serem mantidos em sigilo. É o caso, para ilustrar, de documentos albergados por sigilo fiscal (art. 198, do Código Tributário Nacional), bancário (Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001), médico (Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 2.217/2018 e Lei n; 13.709, de 14 de agosto de 2018), dentre outros. Em miúdos, o problema não é o sigilo em si, mas não oportunizar à contraparte e ao seu advogado a ciência de que ao feito foram juntados documentos e ou peças sigilosos, os quais podem – e na maioria dos casos de fato são – ser de interesse para o deslinde do feito.

 

  1. Atentado à publicidade, ao contraditório e à ampla defesa

Impõe o art. 8º, do CPC, reverberando os arts. 5º, inciso LX, 37 e 93, incisos IX e X, da Constituição Federal, que deverá o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, observar a publicidade. Trata-se de exigência que se explica pela circunstância de que, na prestação jurisdicional, há um interesse público maior do que o privado defendido pelas partes.[4]

Somente em casos excepcionais se admite o sigilo ou a tramitação em segredo. A lei, em suma, só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, inciso LX, CF/1988). Fora das hipóteses legais, a regra é a publicidade.

E o segredo não é absoluto. Por demais óbvio que não alcança as partes (todas elas) e seus advogados. É o que se colhe do art. 11, parágrafo único, do CPC: “Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.”

O PJe mineiro, porém, ao permitir a inserção de documentos e peça sigilosos, sem ao menos noticiar a existência deles à parte contrária, ao seu advogado e a terceiros, ofende a regra da publicidade dos atos processuais. É problema gravíssimo, que vai além de aspectos puramente formais: Como se defender, afinal de contas, daquilo que não se vê? Como solicitar o acesso à peça ou ao documento que não se enxerga?

A prática dos autores deste estudo demonstra que a parte contrária (e seu advogado) somente tomará conhecimento da existência de peça e ou do documento marcado como “sigiloso” se e quando o magistrado retirar o sigilo, o que nem sempre acontece, ou ainda quando houver alguma menção pelo juiz em suas decisões ou mesmo em certidões.

O próprio manual do PJe do Tribunal de Justiça de Minas Gerais deixa clara essa afronta ao permitir que o magistrado, ao deparar-se com peça ou documento sigiloso, torne-a visível apenas para a parte e ou advogado que desejar:

“Processos judiciais distribuídos que tiveram, durante seu cadastro, neles incluído um documento com o indicador “Sigiloso” serão apresentados no agrupador “Processos com pedido de sigilo nos documentos não apreciado”.

Ao clicar-se nesse agrupador, o sistema exibirá os processos nessa situação.

Clicando no ícone “Ver detalhes”, o magistrado terá acesso aos dados do processo.

O sistema abre a tela na aba “Segredo ou sigilo” e, abaixo, lista, em vermelho, os documentos com esse pedido.

Para liberar acesso a esse documento, o magistrado deve clicar no ícone “Visualizar” .

O sistema abre nova tela, listando as partes e advogados do processo.

Na coluna “Visível para:”, o magistrado deve selecionar as partes desejadas e clicar no botão “Gravar”.

Caso decida por retirar o indicador “Sigiloso” do documento, o magistrado deve clicar nesse indicador.”[5]

Como consequência, nasce outra violação à parte adversária. Em muitas situações será ela surpreendida com a utilização indevida da ferramenta “sigiloso” por advogados e por decisões baseadas, parcial ou exclusivamente, na peça ou no documento “fantasma”, em nítida afronta ao contraditório, à ampla defesa e à vedação explícita das decisões-surpresa (art. 9º, CPC). O resultado é a decretação de invalidade,[6] com a repetição de atos processuais, o que navega na contramão da celeridade buscada pela informatização dos processos judiciais.[7]

 

  1. Soluções propostas

A Constituição de 1988 regulamentou a publicidade dos atos processuais em seu art. 5º, LX, também fazendo referência à aludida garantia fundamental nos incisos IX e X do seu art. 93. Às partes, imediatamente, interessam o caminhar e o saldo da atividade jurisdicional, mas é errado pensar que a jurisdição concerne apenas a elas. A todos preocupam o mecanismo pelo qual se desenvolve a jurisdição, assim como os próprios resultados oriundos da sua atuação.

Nem poderia ser diferente, sobretudo hoje, em que se constata uma atuação jurisdicional infelizmente acentuada em setores antes exclusivos à seara política, numa sociedade muitas vezes conduzida ou iluminada por decisões judiciais, algumas trazendo consigo o atributo da vinculatividade. A publicidade dos atos processuais permite o exercício de uma filtragem social do poder, instiga o debate crítico em diversas esferas da sociedade e, em especial, possibilita que a jurisdição seja alvo de fiscalização contínua.

Por conseguinte, é indubitável que a garantia constitucional ganhe ainda maior relevo num ambiente no qual todo poder emana do povo e é por ele exercido (direta ou indiretamente) (CF/1988, art. 1º, parágrafo único). É sempre bom lembrar que a atividade jurisdicional é expressão do poder estatal, razão por que há de ser, o mais amplamente possível, democratizada. Também, nesse aspecto, a publicidade tem importância por possibilitar que todos do povo tenham acesso aos atos praticados ao longo dos procedimentos jurisdicionais, mormente às decisões judiciais, fomentando a partir disso um permanente diálogo entre sociedade civil e Judiciário.

Além disso, e como já decidiu a Corte Europeia dos Direitos do Homem, a publicidade protege os jurisdicionados contra uma justiça secreta que resiste ao controle público, constituindo engrenagem de preservação da confiança nos tribunais. A transparência é indispensável num ambiente procedimental voltado à atuação estatal, e seu atestado está precisamente no cumprimento regular dessa importante garantia constitucional.

Em miúdos, a garantia fundamental à publicidade: i) agrega-se à essência do devido processo legal (= instituição de garantia) e, por conseguinte, integra o esquema procedimental mínimo que contribui para o controle da jurisdição e do seu resultado; ii) representa mecanismo de democratização de tal parcela do poder estatal; iii) possibilita a concretização de outras garantias constitucionais, como o exercício dinâmico da ação, do contraditório e da ampla defesa; e iv) traduz-se em verdadeira garantia das partes – e da própria sociedade – contra eventuais excessos e arbítrios do poder estatal-jurisdicional.

É importante lembrar, de outro lado, o seguinte: a regra é a publicidade dos atos processuais, não obstante a possibilidade de lei que a restrinja, sempre que assim exigirem a defesa da intimidade ou o interesse social (CF/1988, art. 5º, LX e art. 93, X). Impõe a Constituição que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (CF/1988, art. 93, IX). De modo semelhante é o disposto no art. 189 do CPC/2015, que reafirma a garantia constitucional, além de excepcioná-la, prescrevendo, num rol exemplificativo, correrem em segredo de justiça os processos em que o exigir o interesse público ou social, aqueles atinentes ao casamento, à separação de corpos, ao divórcio, à separação, à união estável, à filiação, aos alimentos, à guarda de crianças e adolescentes, bem assim aqueles dos quais constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade e que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

Portanto, não tem sentido advogar a extinção da possibilidade de se atribuir sigilo a peças e documentos juntados aos autos. Algumas soluções ao problema podem ser propostas.

Em primeiro lugar, antes de o magistrado analisar se é ou não caso de sigilo, ou a quem deve ser franqueada a vista, é imprescindível que o PJe permita à parte adversa (e ao seu advogado) a informação de que foi juntado ao feito documento ou peça que possa lhe interessar. É esse, aliás, o procedimento adotado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região:

Embora as peças ou os documentos sigilosos fiquem inacessíveis para consulta imediata do seu conteúdo, ao menos estarão identificados em vermelho (id. e3aaac4 a 0e637ea), permitindo que partes, serventuários e terceiros saibam sobre a sua existência. Se desejar, pode a parte contrária solicitar vista ao magistrado, a quem caberá autorizar o acesso – a negativa judicial tem potencialidade de ensejar a impetração de mandado de segurança.

A segunda solução (que é complementar à primeira e à terceira soluções) é a penalização da parte, na forma legal. O advogado é pessoa letrada, com conhecimento jurídico, sabedor que as hipóteses de tramitação em segredo e sigilo de atos processuais são limitadas e excepcionais. Não há escusa para se ignorar que a opção “sigiloso” deve ser utilizada somente quando a peça ou documento se enquadrar nas exceções legais.

O que se vê na prática, entretanto, são advogados utilizando a opção “sigiloso” para surpreender a parte contrária. Os tribunais já registraram a indevida atribuição de sigilo em rol de testemunhas[8], defesas[9], recursos[10], laudo pericial[11], cumprimento de sentença[12]. Ao atribuir indevidamente sigilo à peça ou ao documento que sigiloso não é, a parte (representada por seu advogado) falha em seu dever de comportar-se de acordo com a boa-fé (CPC/2015, art. 5º). Procede de modo temerário, utiliza-se do processo para conseguir objetivo ilegal ou opor resistência injustificada ao seu andamento (CPC/2015, art. 80, III, IV e V).

Daí que, em alguns casos, desde que haja pedido expresso em tal sentido, a atribuição de sigilo, consideradas as circunstâncias fáticas, deve ser reputada como má-fé processual, com a consequente condenação ao pagamento de multa. É recordar que “a má-fé é a qualificação jurídica da conduta, legalmente sancionada, daquele que atua em juízo, convencido de não tem razão, com ânimo de prejudicar o adversário ou terceiro, ou criar obstáculos ao exercício de seu direito.”[13] Ora, qual a razão de se atribuir sigilo, por exemplo, à petição que indica e qualifica as testemunhas que serão ouvidas em audiência, a não ser impedir ou dificultar que a contraparte reúna provas para eventual contradita?[14]

Uma terceira solução, por fim, toma como arquétipo a estratégia adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que se utiliza da plataforma denominada e-SAJ Sistema de Automação da Justiça, em substituição ao PJe utilizado pela maioria dos tribunais. Na plataforma e-SAJ petição e documentos transmitidos pelos advogados não são inseridos e disponibilizados imediatamente pelo sistema, mas apenas depois de prévia análise. Assim, caso solicitado pela parte a atribuição de sigilo à peça e ou aos documentos, deve o magistrado analisar o pleito e, uma vez deferido, permitir ampla ciência e acesso às partes e aos seus procuradores.

 

  1. Conclusão

A informatização do processo judicial é realidade salutar e irreversível no Poder Judiciário Brasileiro.

A plataforma PJe, que é a modalidade padrão, utilizada e difundida pelo Conselho Nacional de Justiça, possui ferramenta disponibilizada aos advogados para designar peças e documentos como “sigilosos”, ainda que o feito não se enquadre nas hipóteses legais de tramitação em segredo.

Quando marcado como “sigiloso”, a peça (ou documento) é mascarada pelo sistema e passa a ser visualizada exclusivamente  pelo juiz e pela parte (e seu advogado) que acionou o sigilo. A prática demonstra que alguns advogados têm se aproveitado indevidamente deste mecanismo.

Algumas soluções para se evitar essa prática:

  1. disponibilização de informações sobre a existência da petição e ou de documentos marcados como “sigilosos”, o que permitirá à parte contrária, no mínimo, pleitear vista daquilo que lhe foi ocultado, na forma já realizada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região;
  2. aplicação de multa por litigância de má-fé, na forma legal e havendo pedido expresso, em atenção às circunstâncias do caso concreto (solução complementar às soluções i. e iii.);
  • juízo prévio do magistrado sobre a presença ou não dos requisitos para se decretar segredo sobre determinada peça ou documento, a exemplo do modelo adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo – e-SAJ.

[1] Informações disponíveis em: https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=e7aa7858-2411-4677-8e69-5905c6fdee00&sheet=95c8b2bf-c7d4-4054-aca9-0c89d77eb329&lang=pt-BR&opt=currsel&select=clearall. Acessado em: 03/12/2021.

[2] Ibidem.

[3] TJMG – Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.21.127092-1/001, Relator(a): Des.(a) Habib Felippe Jabour, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/08/2021, publicação da súmula em 01/09/2021.

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 59ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 94.

[5] Informações disponíveis em: http://www8.tjmg.jus.br/juridico/processo_judicial_tjmg/pje/tutorial/Manual%20PJe.html?Sigilodedocumentos.html. Acesso em: 03/12/2021.

[6] Em outro trabalho, um dos autores referiu-se a opção “sigiloso” da seguinte maneira: “Têm as partes à sua disposição uma curiosa opção no PJe que lhes permite atribuir, por ato próprio, sigilo às suas petições e/ou aos documentos que protocolizam e juntam aos autos eletrônicos. Se uma parte faz uso da opção, o juiz e ela, com exclusividade, terão acesso à petição e/ou ao documento apresentado, enquanto a contraparte ficará simplesmente às cegas. Ao juiz incumbirá avaliar se foi indevido ou não o uso do mecanismo, decidindo, então, sobre a manutenção ou exclusão da restrição. Não há outra maneira de dizer: trata-se de uma excrecência tecnológica, talvez criada por gente absolutamente alheia à dinâmica do foro. É claro que o juiz deve adotar medidas que assegurem a confidencialidade de documentos e dados sigilosos (CPC/2015, art. 404, parágrafo único; art. 773, parágrafo único), mas jamais a ponto de obstruir o acesso às partes. O manejo da opção “sigilo”, como é nada menos que óbvio, afronta o devido processo legal, sobretudo contraditório e ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LIV e LV), de modo que o seu manejo eficiente (= obstrução à parte de conhecer documentos juntados aos autos) é fonte rica para o pronunciamento de nulidades futuras.” (DELFINO, Lúcio. Código de Processo Civil Comentado. Arts. 70 a 118. Vol. 2. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2021. p. 280).

[7] A titulo ilustrativo, confira-se a seguinte ementa: “APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. PROPOSTA DE ADESÃO- CONTRATO DE CARTAO DE CRÉDITO. DOCUMENTOS JUNTADOS NO PJE COMO SIGILOSOS. INACESSIBILIDADE DA PARTE CONTRÁRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. SENTENÇA CASSADA. Restando evidenciado que o procurador da parte ré foi impedido de ter livre acesso às provas produzidas pela parte autora na instrução do processo, especialmente aquelas essenciais para o deslinde da controvérsia instaurada, a cassação da sentença, por cerceamento de defesa, é medida que se impõe.”  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.19.057356-8/001, Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/2020, publicação da súmula em 22/05/2020).

 

[8] TJMG, AI 1270939-35.2021.8.13.0000

[9] TRT15, RO 0010771-98.2015.5.15.0024

[10] TRT1, AIRO 00102394720135010069 RJ

[11] TRT15, RO 0010800-56.2016.5.15.0108

[12] TJDF, AI 0702140-67.2018.8.07.0000

[13] STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: revista dos Tribunais, 2002, p. 87.

[14] Vale mencionar que são ilegais decisões que deixam de conhecer recursos indevidamente marcados como sigilosos, sob alegação de inexistência ou de intempestividade. É que o recurso, mesmo designado como sigiloso, existe. Sua tempestividade, igualmente, é facilmente aferida pela data de protocolo. A solução adequada, mais uma vez, passa pela penalização da parte e não pela inadmissibilidade do recurso. Veja-se o seguinte exemplo: PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO (PJE) – SEGREDO DE JUSTIÇA / SIGILO PJE – RECURSO ORDINÁRIO – LANÇAMENTO DE SIGILO DOCUMENTAL NA PEÇA PROCESSUAL – O sigilo documental é de conceituação e caracterização clássica, apontando o art. 155/CPC as hipóteses pertinentes. O Pje, nesse aspecto, não introduziu qualquer novidade legislativa. Instrumentalizou, apenas e tão-somente, a possibilidade de a própria parte apontar os casos dessa ocorrência (e assim, de fato, deveria fazê-lo), pois, dada a instantaneidade de veiculação dos documentos vertidos ao meio eletrônico, não haveria como estes passarem pelo crivo do Juiz antes de chegarem ao conhecimento da parte contrária. Contudo, o uso dessa opção deve se ater aos casos previstos em lei. Assim, segundo a d. maioria dessa 1ª Turma julgadora, quando a parte age em abuso, deve arcar com os riscos e ônus dessa opção. Lançando a parte no recurso ordinário o crivo de segredo ou sigilo de justiça, será ele reputado interposto quando o Juiz o disponibilizar para consulta, o que pode gerar sua extemporaneidade.

 

Autor

  • Luciano Camargos
    Advogado em Minas Gerais. Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual. Pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre pela Universidade Federal do Triangulo Mineiro. Professor licenciado do Curso de Direito da Universidade de Uberaba (UNIUBE).

    Lúcio Delfino
    Advogado em Minas Gerais. Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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