HIDRA, HERCULES, O NOVO MINISTRO E OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

Na mitologia grega, Hidra, era um animal monstruoso, com forma de serpente e muitas cabeças, as vezes humanas, dotado de um hálito mortífero. Hércules, por sua vez, enfrentava Hidra com flechas flamejantes, mas, sobretudo, cortando as cabeças com sua espada. A dificuldade de Hércules em vencer Hidra era que a cabeça, após cortada, se regenerava.

O Judiciário, grosso modo, notadamente em questões contra a Fazenda Pública, desde a vigência do CPC/73 tratava do tema dos honorários sucumbenciais valendo-se da equidade. Funcionava assim: no momento de definir o valor dos honorários sucumbenciais, ou seja, os honorários de direito do advogado que venceu a Fazenda Pública, não era considerado um percentual do valor atribuído à causa, como dizia a lei, mas, sim, um valor arbitrado, criado, via equidade. Hidra ganhava cada vez mais força e cabeças.

Nesse tom, o que deveria ser cem mil reais transformava-se facilmente em cinco mil reais. O magistrado olhava para a questão e dizia: “Aqui, cinco mil reais está de bom tamanho. É suficiente.  Na próxima pode ser sete mil reais ou talvez três mil…”.

Nesse contexto, inúmeras injustiças foram feitas em desfavor dos advogados que trabalharam de modo intenso e determinado ao longo de vários anos no mesmo processo.

Difícil, mas não impossível, vencer um inimigo que se reconstrói.

Ao final, a Fazenda Pública, tendo praticado ato ilícito, perdedora no processo, saia-se vencedora. O vento que soprava no bolso vazio do advogado era sempre um incentivo para a Fazenda Pública repetir e repetir o mesmo ato. Hércules aparentemente lutava em vão.

O CPC/15 trouxe no âmbito do artigo 85 norma cogente e específica. Nada podia ser mais claro. Parecia ali que a questão da equidade no âmbito do arbitramento dos honorários sucumbenciais havia sofrido um golpe duro e definitivo. Uma cabeça de Hidra havia sido cortada . Hércules sentiu-se forte e comemorou.

Na esteira de várias decisões judiciais a advocacia brasileira não sabia, nem poderia imaginar, porém, que Hidra se regeneraria e ganharia impulso para relativizar a norma, sem observar seu sentido mínimo.

Se a jurisdição que o magistrado exerce é constitucional, isto é, quem o legitima é a Constituição da República, há cabimento para substituição por uma “jurisdição pessoal”, impondo sua opinião em detrimento da lei? É juridicamente aceitável que o magistrado por não gostar da lei deixe de aplicá-la? É essa a função constitucional do Magistrado?

O Superior Tribunal de Justiça diante do crescente enfretamento do tema, afetou quatro recursos especiais[1] , aplicando o regime processual dos recursos repetitivos.

Tive a enorme e honrosa satisfação de fazer uma das sustentações orais em favor da ANNEP (Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo), que integrou o julgamento a título de amicus curiae, no que foi chamado de julgamento do século para advocacia, defendendo a estrita e direta aplicação da norma em vigor.

Em julgamento, por maioria, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento do relator, digníssimo pernambucano Ministro Og Fernandes, impôs a não incidência da fixação de honorários sucumbenciais por apreciação equitativa, mesmo diante de condenações ou proveitos econômicos elevados, publicando o Tema 1.076

Viu-se ali a maior cabeça de Hidra rolar ao chão. Hércules ergueu o punho cerrado em uma mão e a espada em outra: vitória! Sem saber, no entanto, que ainda tinha outras batalhas para lutar.

No entanto, só não se sabia que a força regenerativa de Hidra não dependia da norma que emana do Legislativo, ou seja, do povo, conforme artigo 85/CPC, ou mesmo do Judiciário, a teor do Tema 1.076/STJ, estava, assim, possivelmente no coração, algo que a psicologia ou a antropologia possam tentar explicar. O Direito já não mais.

Decisões isoladas ao longo do Brasil ressurgiram cabeças menores de Hidra e passaram a negar vigência ao artigo 85/CPC e ao Tema 1.076/STJ, como ocorreu no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais[2], que reduziu honorários da ordem de quatorze mil reais para dois mil reais.

O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob o viés constitucional, julgou que há repercussão geral no tema do arbitramento dos honorários sucumbenciais, valendo-se da equidade em demandas de interesse da Fazenda Pública. A questão estava empatada e o novo Ministro, recém empossado, Cristiano Zanin, que exercia a advocacia até o mês de junho de 2023, em 08 de agosto de 2023 votou e desempatou.

Agora, considerando que há repercussão geral, o mérito do recurso extraordinário[3] será posteriormente julgado e Hidra segue viva e aguardando o julgamento meritório pelo Supremo Tribunal Federal. Até lá o Tema 1.076/STJ mantém sua eficácia intacta.

Resta aguardar e acompanhar de perto.

A advocacia não combina com covardia e medo. Hidra segue viva, mas Hércules, com espada em punho, também.

[1] REsp 1906618,  1850512, 1877883 e 1906623

[2] Processo 5005306-73.2017.8.13.0245

[3] RE 1.412.069/PR

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