Os recursos tecnológicos estão cada vez mais presentes no cotidiano dos operadores do direito e também, sendo utilizados nos processos judiciais, cujo emprego tem sido amplamente difundido, após a quase completa virtualização/informatização do Judiciário, fenômeno este acelerado sobretudo em razão do contexto pandêmico vivenciado.
A virada tecnológica que afeta o Direito Processual já é um caminho sem volta. Escapar da nova dinâmica empreendida nas peças processuais, nas audiências e sessões de julgamento virtuais, na forma como realizamos despachos aos magistrados, é quase impossível, posto que o próprio Judiciário tem transformado suas práticas institucionais.
Dentro de um contexto de uma sociedade informacional e em rede, surge uma nova forma de linguagem, que vai de encontro com o tradicional “juridiquês”: a denominada hipermodalidade jurídida.
Esta nova forma de linguagem implica na utilização de elementos visuais, audiovisuais, como o “qr code”, fluxogramas, gráficos, imagens
Para Dierle Nunes e Larissa Rodrigues, a utilização destas ferramentas, na seara processual, “permitem o aprimoramento da argumentação e do convencimento nas peças, quanto possibilitam sintetizá-las, o que se traduz em uma análise mais rápida e efetiva pelo julgado, que possui inúmeros processos para ser analisados em pouco tempo”[1].
Um ponto chave do visual law é a linguagem. Isto porque a inserção de elementos audiovisuais propicia uma inovação nos processos discursivos construtores de sentidos, possibilitando ainda, maior interação entre os interlocutores e ressignificando as práticas jurídicas[2].
Cristina Eliezer, Helena Ferreira e Vitor Nunes ainda asseveram a respeito da utilização destas técnicas:
Essa ressignificação das concepções de linguagem pode trazer luz para o redimensionamento das interações inerentes ao contexto jurídico. Tomar a linguagem como processo de interação significa considerar o contexto sociodiscursivo, seus sujeitos, objetivos da interlocução, modos de dizer (escolhas semióticas) e os efeitos de sentido.
Nesse âmbito, no contexto sociodiscursivo em que as práticas de linguagem se instauram na atual sociedade da informação, as tecnologias têm exercido um poder de força para a constituição de interações mais dinâmicas e mais globalizadas[3].
Desta forma, o emprego de recursos verbais e multimodais, como imagens, expressões faciais, sons, entonação, linhas do tempo, mapas visuais se configuram como elementos capazes de articular o Direito às tendências de usos de linguagem na sociedade de informação.
Porém, essa promessa de aprimoramento do sistema processual por meio do Design Thinking, Legal Design e Visual Law, de fato, pode ser implementada? Será que as técnicas de visual law pode permitir uma maior efetivação do contraditório? Será que esta moda pega?
Por meio de uma pesquisa empírica realizada com a magistratura federal, o grupo de pesquisadores do VisuLaw partiu de um problema inicial buscando identificar qual o maior problema nas petições atualmente.
A resposta apontada pela maioria dos magistrados foi a argumentação genérica, seguida pelo problema da redação prolixa e pelo número excessivo de páginas.
Outra questão analisada na pesquisa empírica diz respeito a quais elementos visuais o magistrado entendia que não deveria ser usado em petições. Embora houvesse boa aceitação da magistratura aos elementos visuais, os juízes se mostraram contrários ao uso de elementos visuais (34,6%) e QR Codes (39,2%).
O grupo de pesquisadores do VisuLaw também se valeu de três modelos de petição, que foram submetidos a juízes federais, para obtenção de dados empíricos. Um primeiro modelo sem recursos visuais; um segundo com alguns elementos; um terceiro com muitos recursos visuais. A partir desta estrutura, consideraram que a utilização destes elementos pode facilitar a compreensão dos argumentos, desde que usado com moderação, mostrando-se ainda, a maioria dos entrevistados mais adeptos da forma tradicional de redação jurídica (isto é, sem a inserção de outros elementos textuais)[4].
Em linhas gerais, a pesquisa empírica conclui que ainda é pouco aceito no cotidiano do Judiciário petições e arrazoados que inserem elementos audiovisuais.
Por outro lado, em termos práticos, uma redação clara, simples e objetiva pode ser a chave para a melhor compreensão das alegações de uma peça processual. No livro “Como escrever bem”, William Zinsser[5] discorre como há dificuldade de se escrever de maneira simplificada, reputando o excesso de palavras, que nada dizem, como um mal do século: “o excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e jargões sem nenhum sentido”.
Entre todos os prós e contras existentes na adoção de tecnologia nas manifestações jurídicas, é certo que os excessos, seja na escrita, seja em vídeos, em áudios, em desenhos, devem ser evitados. Com a alta taxa de congestionamento do Judiciário, não faz mais sentido reproduzir páginas e páginas de arrazoados que não serão lidas, sequer refletidas.
Por se tratar de inovações que rompem com um paradigma estabelecido, os recursos tecnológicos e o emprego de técnicas do Design não podem, nem devem, ser utilizados de forma indistinta e desordenada, cabendo aos órgãos competentes instituírem regulamentação própria, estabelecendo, inclusive, os limites no seu uso.
Os profissionais jurídicos têm a necessidade de estar se reinventando de forma sistemática, haja vista que o mercado, que decorre propriamente da concepção de sociedade em si, não é o mesmo de anos atrás, sendo que também não será idêntico ao idealizado para os anos seguintes. Ou seja, evoluir para se adequar.
[1] NUNES, Dierle; RODRIGUES, Larissa Holanda Andrade. O contraditório e sua implementação pelo Design: design thinking, legal design e visual law como abordagens de implementação efetiva da influência. IN: NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique; WOLKART, Erik Navarro. Inteligência Artificial e Direito Processual: os impactos da virada tecnológica no Direito Processual. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
[2] ELIEZER, Cristina Rezende; FERREIRA, Helena; NUNES, Vitor Ferreira. Direito, tecnologia e linguagens: do juridiquês ao visual law. In: ELIEZER, Cristina Rezende; SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho; NUNES, Vitor Ferreira. Direito, Tecnologia & Sociedade. Santo Ângelo: Metrics, 2020, p. 41.
[3] ELIEZER, Cristina Rezende; FERREIRA, Helena; NUNES, Vitor Ferreira. Direito, tecnologia e linguagens: do juridiquês ao visual law. In: ELIEZER, Cristina Rezende; SOUSA, Lorena Ribeiro de Carvalho; NUNES, Vitor Ferreira. Direito, Tecnologia & Sociedade. Santo Ângelo: Metrics, 2020, p. 30.
[4] A pesquisa empírica completa pode ser acessada através do seguinte sítio eletrônico: https://bernardodeazevedo.com/conteudos/o-que-os-juizes-pensam-sobre-elementos-visuais-em-peticoes/. Acesso em 27/05/2021.
[5] ZINSSER, William. Como escrever bem: o clássico manual americano de escrita jornalística e de não ficção. São Paulo: Fósforo editora, 2021.