AS POLÍTICAS PÚBLICAS, O MOVIMENTO NEOLIBERAL, E A BUSCA PELO “OURO DE TOLO”

“Eu devia estar contente; Porque eu tenho um emprego; Sou o dito cidadão respeitável; E ganho quatro mil cruzeiros por mês”

As transformações pelas quais a sociedade ocidental passou nos últimos séculos, tanto política quanto economicamente, são essenciais para entender o movimento neoliberal que toma força no momento.

A crítica social formulada por Hobbes em sua obra “O Leviatã” foi uma das bases movimento Iluminista do século 18. Nela, o autor formula uma sequência de críticas ao Estado subjugador e sustenta que a reclamação pela dignidade da vida é algo que viria a tomar força a partir do momento que se reconhece a posição Estatal de detentora de direitos e deveres para com seus cidadãos.

Neste sentido, à luz da queda dos governos absolutistas, a população passa a exigir de seus respectivos Estados, o cumprimento dos deveres e a defesa dos direitos fundamentais, de maneira democrática.

Destaca-se, no entanto, que a manutenção do sistema econômico capitalista tende a dividir as parcelas da sociedade em virtude de divisões raciais, de classe, gênero, orientação sexual e demais formas de que possibilitam a discriminação, o que gera a marginalização de parte da sociedade subdividida em grupos sociais menores e, no mesmo sentido, com menor lugar de fala nos centros de discussões políticas.

O pensamento Iluminista foi, então, utilizado como base para a institucionalização da democracia burguesa, que desconsidera a existência de minorias marginalizadas ou ainda sem voz política atuante para exercício dos trabalhos reprodutivos.

No mesmo sentido, o pensamento liberal está baseado na ideia da possibilidade de que a plenitude capitalista possa ser conquistada através de ações que visem o acúmulo de riqueza, e que a intervenção Estatal, realizada por meio de investimentos em políticas públicas, deve ser mínima.

Traçando um paralelo entre o movimento iluminista e liberalista enquanto “libertadores”, visto que a intenção era literalmente trazer a liberdade (política e econômica) aos cidadãos, temos um ponto em comum: ambos os movimentos criaram ou ao menos garantiram a manutenção de privilégios da burguesia sobre a massa laboral que a sustentaria.

Pois bem.

Observe-se que a Constituição de 1988, também chamada “Constituição Cidadã”, pois formulada após a queda da ditadura militar, trata extensamente sobre a garantia dos direitos fundamentais, incluindo, dentre eles: a saúde, educação, segurança, moradia, liberdade religiosa e política. Apontou ainda como direito fundamental a proteção à propriedade privada, o que pode ser interpretado como ponto chave que determina o capitalismo como sistema econômico nacional.

Há de se concluir, portanto, que o Estado permite e incentiva o acúmulo de riqueza, mas deve, de outro lado, fornecer meios para que a população o faça.

Ocorre que a dinâmica capitalista, incentivando o consumo desenfreado como forma de acúmulo de riqueza, reduz a vida em sociedade em uma disputa entre pessoas da mesma classe social, ou ainda entre pessoas inseridas em contextos sociais diversos, pela conquista de bens materiais, muitas vezes supérfluos, sem observar que são evidentes obstáculos ou ainda falsos resultados do próprio objetivo mor: a plenitude capitalista. Ressalta-se ainda, nesse contexto, as ciências são utilizadas como ferramentas que buscam descobrir novas fontes de renda, não só através da criação de novos produtos, mas também da criação da demanda em si.

Ainda há de se trazer à discussão uma reflexão sobre a não-existência de um ápice do consumo. Constantemente incentivado como se fosse um “nirvana” capitalista, o consumismo não se apresenta como a necessidade “ter tudo”, mas sim de ter mais que o próximo, ascendendo dentro de classes (ou de uma massa – que é subdividida em subclasses) sociais.

Assim, em contrapartida à impessoalidade e desconsideração da massa capitalista marginalizada (sem condições financeiras de efetivamente existir dentro do mercado e, portanto, da sociedade), entendida pelos neoliberalistas como parte comum do sistema, o mercado se autorregula, sempre com o objetivo de gerar mais acumulação.

Raul Seixas, em sua música “Ouro de tolo”, traz de maneira clara uma crítica à busca ineficaz pela ascensão social através do consumo desenfreado, sobrepondo-se à garantia de direitos sociais fundamentais. Diz o artista:

“Eu é que não me sento; No trono de um apartamento; Com a boca escancarada, cheia de dentes; Esperando a morte chegar”

“Porque longe das cercas embandeiradas; Que separam quintais; No cume calmo do meu olho que vê; Assenta a sombra sonora dum disco voador”

O texto de Raul expõe que realidades paralelas financeiras coexistem, e o Estado, por força da Constituição, deve amparar a todos. Ocorre que o movimento neoliberal critica a intervenção estatal regulatória do mercado, bem como os gastos para proteção dos direitos sociais individuais, desconsiderando que há uma parcela da população financeiramente marginalizada.

Mas a forma pela qual o Estado busca garantir os direitos fundamentais da população é através da implementação de políticas públicas. A manutenção de direitos sociais fundamentais pelo Estado através das conquistas de tais políticas (por exemplo fornecendo saúde e educação de qualidade à população) resulta, em suma, na melhora da qualidade de vida dos cidadãos.

O neoliberalismo reconhece que a dinâmica capitalista, dentre suas fases, possui momentos de expansão, recessão, contração e revitalização, todas inerentes ao sistema, motivo pelo qual a intervenção Estatal é vista como prejudicial.

Todavia, independente de tais fases, o Estado deve exercer sua Função Social e não ser negligente com os direitos fundamentais sociais, condicionando o uso de recursos escassos com base na implementação de políticas públicas que visam minimizar os resultados negativos sociais nas fases de recessão e contração e, de outro lado, fornecer meios para que a população tenha condições de inserir-se melhorar sua qualidade de vida nas fases de expansão e revitalização, em contrapartida à sistemática capitalista.

Em suma, assim como Raul não se sentava “Com a boca escancarada, Cheia de dentes, Esperando a morte chegar”, chegou a hora de o Estado assumir seu verdadeiro papel, e implantar as políticas públicas necessárias à proteção dos direitos humanos e fundementais.

Autor

Newsletter

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Digite seu comentário
Digite seu nome aqui

Posts Relacionados

Últimos Posts