OBSERVAR O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: POR QUÊ?

Fachada do Superior Tribunal de Justiça

A chegada de um novo portal destinado à divulgação de textos jurídicos e à promoção do debate franco de ideias é motivo de júbilo. Sob essa forte marca de abertura ao diálogo, o Contraditor estreia em grande estilo com um time de colunistas dispostos a oferecer reflexões importantes sobre o direito.

Dentre as várias colunas desse portal, o “Observatório Processual do STJ” terá a missão de provocar discussões sobre o papel do Superior Tribunal de Justiça na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, dando especial enfoque aos impactos das decisões do tribunal no direito processual civil.

A coluna nasceu a partir de um grupo de pesquisa de mesmo nome coordenado por mim no curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), que conta com a participação de professores do Departamento de Direito Processual, assim como de estudantes da graduação e da pós-graduação, advogados e egressos do curso.

Trata-se de um grupo múltiplo que há quase dois anos vem promovendo debates e produzindo textos sobre as decisões do STJ no âmbito do processo civil.

E por que observar o STJ?

O CPC/2015 reforçou o poder dos tribunais superiores, concedendo-lhes a possibilidade de produzir decisões vinculantes, notadamente, no art. 927, ao prever o dever de observância dos acórdãos proferidos no julgamento dos recursos repetitivos, assim como dos enunciados de súmula, ainda que não sejam os vinculantes.

A iniciativa legislativa não passa incólume às justas críticas da doutrina, pois não se pode cogitar de efeito vinculante de provimentos judiciais fora daquelas hipóteses em que a própria Constituição disso tratou.

Mas, apesar das críticas, parece ter-se formado no senso comum daqueles que operacionalizam o sistema jurídico a ideia de que os provimentos listados no art. 927 do CPC têm efeito vinculante. E dificilmente os tribunais superiores vão dizer o contrário, pois isso implicaria em diminuição dos seus próprios poderes.

E desse caldo cultural é que exsurge a necessidade de acompanhar o desenvolvimento da jurisprudência e a atuação do STJ na interpretação da lei processual. Quanto mais poder um órgão jurisdicional adquire ou conquista, maior é o dever da comunidade jurídica de fiscalizar o exercício desse poder, de modo que a instituição seja constrangida e que as suas decisões sejam estudadas e, sempre que for necessário, criticadas.

Há que se questionar se ao STJ é dado o poder de firmar teses sobre o direito infraconstitucional. A Constituição Federal, em seu art. 105, disciplina sobre a competência do tribunal e esta pode ser dividida de três formas: competência originária (inc. I), competência recursal ordinária (inc. II) e competência recursal extraordinária (inc. III).

A discussão sobre o poder de firmar teses é baseada no terceiro tipo de competência, a recursal extraordinária, quando a Constituição disciplina sobre o recurso especial e suas hipóteses de cabimento.

Cabe ao STJ, nos termos da letra constitucional, em recurso especial, julgar determinadas causas. Ao estabelecer dessa forma, o legislador constitucional impôs ao tribunal um limite bastante preciso: a construção da decisão, em sede de recurso de natureza extraordinária, deve partir da análise do caso concreto e serve para resolver aquele caso concreto específico.

Embora se possa intuir que pela sua posição na estrutura do Poder Judiciário o STJ, ao julgar um caso, estabelecerá balizas para outros julgamentos por outros órgãos jurisdicionais, não se pode olvidar que a sua função primeira é a de julgar a causa e não construir uma tese.

A tese é consequência do julgamento da causa. Tese sem causa é puro exercício arbitrário do poder jurisdicional, pois a razão de ser do Poder Judiciário é a entrega da prestação jurisdicional para as partes envolvidas naquele caso que lhe foi levado à apreciação. E essa temática será melhor aprofundada no próximo texto dessa coluna.

O fato é que a autoridade de uma decisão do STJ não deveria decorrer de uma previsão legal que a estabelecesse como vinculante e, sim, da qualidade que dela emanasse.

À medida em que o tribunal constrói democraticamente a decisão, levando em consideração as particularidades da causa e o trabalho desenvolvido pelas partes e magistrados até a fase do recurso especial e, como decorrência disso, fundamenta analiticamente o seu julgado, dando ao caso uma solução adequada, a sua decisão adquire respeitabilidade e torna-se naturalmente um paradigma a ser seguido.

Aliado a isso, a força paradigmática das decisões do STJ há de decorrer da observância da coerência e da integridade da sua própria jurisprudência. Nesse sentido, as viradas jurisprudenciais prejudicam sobremaneira a autoridade das decisões do tribunal.

Cai em descrédito o tribunal quando ele próprio não garante a institucionalidade, ou seja, quando ele estimula, pelo exemplo, a tomada de decisões conforme a consciência que, invariavelmente, implicam em desobediência à própria lei.

Se é do STJ a função de dar a última palavra sobre a interpretação da lei infraconstitucional, o primeiro limite que ele deve compreender é o da legalidade.

Se é do interesse do STJ que as suas decisões sejam consideradas como paradigmas, deve o tribunal institucionalizar a autocontenção na interpretação do texto legal, reconhecendo que não pode atribuir a ele sentidos de forma livre. O texto da lei não está a serviço do tribunal e, sim, o tribunal é o servo da lei, é limitado por ela.

E é a partir desse ponto de vista que neste espaço de debate se buscará observar os movimentos do STJ na interpretação das normas processuais civis e os impactos disso no direito.

Sejam todos bem-vindos ao Contraditor e ao Observatório Processual do STJ!

Autor

  • Professor do Departamento de Direito Processual da UEPG; Coordenador do grupo de pesquisa Observatório Processual do STJ na UEPG; Doutorando em Direito pela UFPR; Mestre em Ciência Jurídica pela UENP; Autor dos Comentários ao Código de Processo Civil pela Editora Juruá; Advogado.



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