O PREQUESTIONAMENTO AINDA É UMA QUESTÃO MAL RESOLVIDA

elgo bravo prequestionamento stjAo julgar o REsp n. 1.639.314/MG, a Terceira Turma do STJ, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, estabeleceu curioso entendimento sobre o prequestionamento ficto previsto no CPC/2015, art. 1.025.

“A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei.”

Embora esse não tenha sido um recurso especial afetado pela sistemática dos repetitivos e nem o tema tenha sido enfrentado de forma aprofundada pelo tribunal no julgamento, é importante que ele seja analisado e que o entendimento nele estabelecido, a respeito do prequestionamento ficto, seja objeto de reflexões.

O CPC/2015 assim dispõe:

“Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”

Essa disposição, como é sabido, veio para superar o entendimento jurisprudencial que havia se firmado no âmbito do STJ e que se consubstanciou no enunciado n. 211 da súmula do tribunal: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.”

A jurisprudência do STJ, nesse ponto, divergia da jurisprudência do STF, que havia editado o enunciado de súmula n. 356, segundo o qual: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.”

Nos termos da interpretação do STF, bastaria a oposição de embargos de declaração para que a matéria omissa no acórdão fosse considerada prequestionada.

Já para o STJ, o prequestionamento não derivaria pura e simplesmente da oposição dos declaratórios. Se a omissão persistisse, para que fosse cabível o recurso especial, a parte recorrente teria que fundamentar sua irresignação na violação ao dispositivo legal do CPC/1973 que estabelecia sobre o cabimento dos embargos de declaração.

Essa é a conclusão a que se chega a partir da análise dos julgados que deram origem ao enunciado n. 211 da súmula do STJ, a saber:

“A rejeição destes embargos, se impertinente, determina a subsistência da falta de prequestionamento do tema cujo conhecimento se pretende devolver ao STJ, cumprindo ao recorrente, em se julgando prejudicado, interpor recurso especial calcado em violação aos termos do artigo 535, inciso II do CPC, porquanto a decisão dos embargos não teria suprido a omissão apontada” (Ag Reg. No Ag. de Inst. n. 67.820-SP, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, DJ 25.09.1995).

“Não versada a matéria no julgado recorrido, inadmissível pretender-se tenha havido vulneração da lei. Se, apreciando embargos declaratórios, deixou-se de decidir questão que o deveria ter sido, poderá ter havido contrariedade da lei processual (CPC, art. 535), mas não se há de ter como suprida a exigência do prequestionamento” (Ag Reg. No Ag. de Inst. n. 74.405-PA, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, DJ 03.06.1996).

“Os padrões legais apontados como contrariados, para reexame, não prescindem de prequestionamento. A omissão deve ser suprida pela interposição de embargos declaratórios. Caso insatisfatório a sua apreciação, como condição para o conhecimento do Recurso Especial, impõe-se a alegação de violação ao art. 535, I e II” (Ag Reg. No Ag. de Inst. n. 123.760-SP, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, DJ 24.03.1997).

Esses são excertos de três dos vários julgados que antecederam a edição do enunciado de súmula em questão pelo STJ e dão a exata dimensão do que o motivou: entendia-se que a questão federal a ser definida no âmbito do recurso especial não era aquela que havia sido omitida no julgamento da instância inferior e, sim, a violação aos dispositivos legais que previam o cabimento dos embargos de declaração.

O fato é que o entendimento que prevaleceu então tinha um claro fundo de jurisprudência defensiva[1]. Impunha-se à parte recorrente que, diante da omissão do tribunal a quo, opusesse embargos de declaração, com finalidade de prequestionar a matéria omissa. Havendo insucesso nos embargos, para que o seu recurso especial pudesse passar pelo juízo de admissibilidade, impunha-se à parte recorrente mais um fardo, a alegação de violação ao CPC/1973, art. 535. Para segundo plano ficava a matéria mais importante, aquela sobre a qual não houvera pronunciamento pelo tribunal a quo, mesmo após a oposição dos declaratórios.

Em combate à jurisprudência defensiva dos tribunais superiores, o CPC/2015 estabeleceu uma série de disposições contrafáticas, deixando clara a necessidade de superação dos entendimentos jurisprudenciais que implicassem em estabelecimento de filtros recursais não previstos em lei.

Uma dessas disposições foi justamente a constante do CPC/2015, art. 1025, que previu o prequestionamento ficto para aqueles casos em que os embargos de declaração sejam mal sucedidos.

Se a finalidade era a manutenção da sistemática anterior, não haveria qualquer necessidade de que o CPC/2015 estabelecesse disposição dessa natureza.

A letra do art. 1025 é uma resposta ao enunciado n. 211 da súmula do STJ e uma resposta de natureza negativa, uma revogação do entendimento.

Quando o tribunal a quo se omite e são opostos embargos de declaração mal sucedidos, na sistemática do CPC/2015, “a violação é direta à questão federal omitida, na verdade não julgada ou esclarecida, não à hipótese de cabimento dos embargos de declaração”[2].

Não faz sentido que, nessa nova sistemática, levando em conta que a própria lei considera incluídos no acórdão recorrido os elementos que o embargante suscitou nos declaratórios, tenha o recorrente que alegar violação às hipóteses de cabimento dos embargos de declaração para que a matéria seja considerada prequestionada.

Essa era a ratio da sistemática que se construiu a partir da interpretação das disposições do código revogado, que não possuía um dispositivo semelhante ao art. 1025 do CPC/2015.

Não cabe que, havendo tão drástica mudança legislativa, o STJ continue a lançar mão da antiga ratio para manter a essência da sua jurisprudência defensiva sobre o tema.

Nessa linha é também o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem:

“O comando do CPC 1025 é direcionado ao tribunal superior, que deverá aplicá-lo quando verificar que o tribunal local desatendeu o disposto no CPC 1022. Exigir-se que o recorrente também aponte ofensa ao CPC 1022 (…) parece prática de voltar-se ao sistema da jurisprudência defensiva, que a ideologia, a filosofia e o sistema do CPC 2015 procuraram abolir.”[3]

O enunciado n. 211 da súmula do STJ merece ser cancelado, assim também a ratio decidendi extraída dos julgados que lhe deram embasamento deve ser considerada superada. Ela não mais se coaduna com o atual sistema legislado.

E não pode o tribunal responsável pela interpretação do CPC/2015 rebelar-se contra o texto legal e manter um entendimento contra o qual o próprio legislador se insurgiu na nova lei.

Parafraseando e distorcendo Lampedusa, as coisas precisam mudar para que mudem de fato e não para que permaneçam como estão.

 

Referências

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, 9ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2017.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 18ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2019

[1] Em sentido contrário, Araken de Assis: “A bem da verdade, a conclusão extraída do verbete n. 211 se mostrava incensurável, no direito anterior, porque a subsistência da omissão vulnerava, de um lado, a hipótese de cabimento dos embargos de declaração, e de outro não se pode considerar, justamente por força da omissão, ‘decidida’ a questão federal” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, 9ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2017, p. 927).

[2] ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, 9ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: RT, 2017, p. 927.

[3] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 18ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2019, p. 2286.

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Autor

  • Professor do Departamento de Direito Processual da UEPG; Coordenador do grupo de pesquisa Observatório Processual do STJ na UEPG; Doutorando em Direito pela UFPR; Mestre em Ciência Jurídica pela UENP; Autor dos Comentários ao Código de Processo Civil pela Editora Juruá; Advogado.

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