O FUTURO DO PROCESSO

O processo do futuro

Após a leitura do artigo científico publicado pelo professor Fredie Didier Jr, denominado “Do que se ocupa um(a) processualista?”, pela revista Civil Procedure Review[1], surgiram algumas reflexões acerca do locus que nos encontramos enquanto processualistas e qual o caminho futuro pelo qual o processo tende a se direcionar. É por essa inquietação que viso a questionar qual o futuro do direito processual.

Em um primeiro ponto de partida, visualiza-se uma premente busca pelos estudiosos – ditos processualistas – em ampliar as “portas de acesso à justiça”, ao mesmo tempo em que há a tentativa de incentivar ao máximo os métodos de solução de conflitos, como a mediação, conciliação e arbitragem. Ou melhor, uma tentativa de estabelecer uma “justiça negocial” sem utilizar o aparato estatal, que se apresenta em crise já há décadas.

Nas palavras do próprio Fredie Didier Jr, “há duas outras dimensões que devem compor os estudos da Justiça Civil. Meios de solução dos conflitos ou portas de acesso à justiça. A partir da premissa de que a “justiça” pode ser alcançada por diversas portas, e não apenas pela porta da “jurisdição estatal”, os outros meios de soluções dos conflitos (e, consequentemente, de tutela dos direitos) passam a fazer parte do sistema de justiça civil e incorporam-se definitivamente ao âmbito de preocupação dos processualistas. A cartografia dos caminhos da Justiça é hoje uma das principais preocupação dos processualistas”[2].

Dentro desta perspectiva, as portas do acesso à justiça somente serão abertas se houver uma preocupação dos estudiosos em incentivar os meios adequados de solução de conflitos consensuais. Mas ao mesmo tempo que se aduz ser esta uma das maiores preocupações atuais e futuras do processualista (e do processo), esquecemo-nos do próprio processo enquanto instituição garantidora de direitos fundamentais. Até porque qual o sentido teria de se defender o processo se há o interesse em promover técnicas de soluções consensuais sem assegurar garantias processuais?

Outro ponto que demanda reflexões são as novas tecnologias computacionais aplicadas ao Processo. A virtualização procedimental, implementação de visual law, design think, comunicação processual (citação/intimação) por whatsapp; utilização de inteligência artificial para a tomada de decisões.

De uma forma ampla, ambos pontos reflexivos indicam que os processualistas devem se atentar para técnicas; para otimizar a resolução de litígios, torna-los céleres, efetivos, ainda que isso possa comprometer o próprio processo.

Ocorre que a técnica pela técnica não pode constituir objeto da ciência processual, tampouco preocupação atual e futura de um(a) processualista.

Como ensina o professor Rosemiro Pereira Leal, a partir da obra de Karl Popper, a epistemologia quadripartite pressupõe quatro elementos: técnica –ciência – teoria – crítica. O objetivo em si é a “perquirição continuada dos fundamentos de criação, modificação, interpretação (aplicação) e extinção do direito”[3].

Tem-se que a ciência processual não pode ser constituída com simples fito de aperfeiçoar a técnica (práxis). Contudo a ciência propõe o “esclarecimento teórico das asserções científicas já construídas”; ao passo que a crítica aponta as aporias do conhecimento e “depende da prévia anunciação das teorias que conduzem essa tarefa[4].

Ainda com apoio em Roberta Maia Gresta, alicerçada na teoria neoinstitucionalista de processo, é preciso romper com a dogmática jurídica, que acaba por perpetuar a técnica pela técnica: “o que ocorre é uma inversão da ordem de precedência fixada pela dogmática jurídica: não mais a aplicação do Direito comanda a elaboração de teorias destinadas a meramente criar condições propícias à solução de conflitos; é, sim, a proposição de teorias jurídicas que passa a vincular a aplicação (e, antes dessa, a produção) do Direito[5].

Portanto, vislumbra-se que, na realidade, o futuro do processo não deve permear simplesmente por técnicas procedimentais preocupadas tão somente em resolver a crise do Judiciário com o incentivo de resolução pelos métodos consensuais de resolução de conflitos, sob pena de continuarmos incentivando o “mito do acesso à justiça”[6].

Ao final das contas, o futuro do processo ainda é seu passado, que a duras penas tenta ser implementado no presente. A preocupação do processualista não pode ser meramente tecnológica. Mas libertadora das prisões do autoritarismo e da dominação. Garantir os direitos e garantias fundamentais nunca foi tão urgente, para o hoje e para o amanhã. E nisto, o papel do processualista não pode fracassar.

[1] DIDIER JR, Fredie. Do que se ocupa um(a) processualista? Civil Procedure Review, v. 12, n. 3: set.-dez. 2021.

[2] DIDIER JR, Fredie. Do que se ocupa um(a) processualista? Civil Procedure Review, v. 12, n. 3: set.-dez. 2021, p. 121.

[3] SALES, Ana Flávia. Enfrentamentos teóricos da pesquisa científica “Processo como Teoria da Lei Democrática”, de autoria de Rosemiro Pereira Leal. Revista jurídica da Faculdade UNA de Contagem, 2014, p. 72. Disponível em: http://revistasgraduacao.una.emnuvens.com.br/rej/article/viewFile/5/5

[4] GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 6.

[5] GRESTA, Roberta Maia. Introdução aos fundamentos da processualidade democrática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 7.

[6] Vale a pena conferir a pesquisa desenvolvida na dissertação de mestrado por Bruno Borges Magalhães, sob a orientação do professor Rosemiro Pereira Leal, no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC MInaas. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_BrunoBorgesMagalhaes_8466.pdf

Acompanhe a coluna Processo e(m) crítica.

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