Introdução
Há ao menos três formas possíveis de atuação dos advogados: como profissionais liberais, por contrato de prestação de serviços, recebendo honorários contratuais e sucumbenciais (art. 22, caput, da Lei 8.609/94); compondo quadro de sociedade de advogados, recebendo pró-labore (art. 15, caput, da Lei 8.906/94); como advogado empregado, atuando no setor jurídico da empresa, com contratação pelo regime celetista (Capítulo V da Lei 8.906/94).
Tratando-se de empregado advogado, uma dúvida que pode surgir ao longo do contrato de trabalho é sobre de quem seria a responsabilidade pelo pagamento da anuidade da OAB. O presente artigo se dispõe a apresentar as duas correntes existentes a respeito da matéria, trazendo os principais argumentos e críticas a cada uma delas, além de uma perspectiva de como o tema tem sido tratado pela jurisprudência.
1 A anuidade da OAB e sua relação com o contrato de trabalho
Em primeiro lugar, é importante destacar que as formas de atuação expostas acima não são, necessariamente, excludentes. A relação de emprego não possui como requisito a exclusividade, de modo que é possível um advogado ser empregado e, ainda assim, atuar como profissional liberal, desde que não representem em juízo clientes de interesses opostos (art. 15, §6º, da Lei 8.906/94).
O contrato de trabalho terá uma jornada normal de trabalho de até vinte horas semanais, que podem ser acrescidas de horas extras, mas sem adoção do “regime de dedicação exclusiva” (art. 20, caput, parte final, da Lei 8.906/94), podendo o trabalhador, no restante do tempo, atuar como profissional liberal, angariando clientes distintos do empregador.
Nesta situação, é mais fácil defender que o responsável pelo pagamento da anuidade da OAB será o próprio empregado, já que, sem realizá-lo, ele não poderá prestar serviços para outros clientes, não sendo o empregador o único beneficiário da habilitação profissional. A dificuldade se dá quanto à contratação em regime de dedicação exclusiva, quando o único beneficiário da prestação de serviços do advogado será o empregador.
Para uma primeira corrente, a responsabilidade pelo pagamento da anuidade da OAB será do empregador, já que se trata de elemento necessário para a realização do trabalho e o empregador, ao final, será o único beneficiário da habilitação profissional do autor.
Há, então, a equiparação da habilitação profissional à ferramenta de trabalho, como a habitação, a energia elétrica e o veículo indispensável à realização das atividades (Súmula 367 do TST) de modo que os seus custos recaem sobre o empregador, que assume os riscos da atividade econômica – princípio da alteridade (art. 2º, caput, da CLT).
A jurisprudência tem reconhecido que se o empregado utiliza veículo próprio para desempenho de suas atividades (a exemplo de um vendedor que se reúne com clientes localizados em diferentes localidades), deve ser fixado um valor a fim de indenizar a depreciação correlata, em virtude do já citado princípio da alteridade (TST. RR-374-47.2015.5.06.0018, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 01/10/2021).
Assim, supondo que um empregado fosse contratado para receber um salário mínimo, tendo que, anualmente, quitar os valores devidos à OAB, acabaria, ao final, percebendo salário líquido inferior ao mínimo legal, em violação ao art. 7º, IV, da CF.
Por fim, argumenta-se que o art. 482, “m”, da CLT não deve ser utilizado para afastar a responsabilidade do empregador, visto que a aplicação da justa causa exige que o empregado, dolosamente, perca a habilitação profissional. Se considerarmos que a responsabilidade pelo adimplemento é do empregador, não há conduta dolosa do empregado para fins de justa causa.
Além disso, no julgamento do RE 647.885 (Tema 732 de Repercussão Geral), o STF decidiu que “é inconstitucional a suspensão realizada por conselho de fiscalização profissional do exercício laboral de seus inscritos por inadimplência de anuidades, pois a medida consiste em sanção política em matéria tributária”, razão pela qual não seria possível (se observada a decisão) a perda da habilitação profissional em razão da inadimplência.
Já uma segunda corrente defende que a responsabilidade pelo pagamento da anuidade da OAB será do empregado, porque a habilitação profissional é um pré-requisito para exercício da função de advogado. Trata-se de um elemento substancial, que interessa à natureza do negócio, que já deve estar presente nas tratativas preliminares de negociação.
Mesmo para o estagiário que, durante o vínculo empregatício, se torna advogado, é necessário que o empregado atenda ao pré-requisito de comprovar a habilitação profissional para a efetiva alteração do contrato, com mudança das tarefas e da remuneração respectiva.
Sem que haja a inscrição na OAB, o próprio conteúdo do contrato resta prejudicado, já que o bacharel de Direito, ainda que detenha conhecimento técnico acerca da matéria, não poderá, por exemplo, assinar escritos destinados a processo judicial ou fim extrajudicial.
Nesse sentido, a habilitação profissional difere-se das ferramentas de trabalho, que são elementos facilitadores, mas não essenciais, à prestação de serviços. Um vendedor que tenha que se reunir com clientes, por exemplo, a despeito de não possuir veículo próprio, poderá, a depender da distância, locomover-se a pé, mediante transporte público ou através de meio de transporte fornecido pelo próprio empregador.
Da mesma forma, a ferramenta de trabalho acaba sendo uma exigência da própria empresa para melhor exercício da função, como no caso estabelecido acima, em que a reclamada exige que o empregado possua veículo próprio para ser vendedor. A habilitação profissional, por outro lado, é uma exigência da lei e fiscalizada por terceiros.
O próprio art. 482, “m”, da CLT, reforça esta corrente, ao estabelecer que a perda da habilitação profissional enseja aplicação da justa causa. Isto porque a penalidade somente se justifica em razão da conduta atingir o próprio núcleo da prestação do empregado.
Além disso, todo empregado possui, naturalmente, despesas que deverá efetuar para fins de atendimento ao contrato de trabalho. Assim, se receber um salário mínimo, terá, ao final, renda líquida inferior a este, sem que haja violação ao art. 7º, IV, da CF.
Por exemplo, o empregado que necessita de vale-transporte para se deslocar até o trabalho arcará com o custo equivalente a 6% do seu salário básico, e o que exceder ficará a cargo do empregador (art. 4º, parágrafo único, da Lei 7.418/85).
Consequentemente, o empregado que more perto do trabalho receberá uma renda líquida maior do que a do empregado que se utiliza de vale-transporte, sem que haja violação ao princípio da igualdade (art. 5º, caput, da CF), justamente porque suas situações são diferentes, ensejando tratamento jurídico distinto.
Finalmente, defende-se a impossibilidade de cobrança do empregador com fulcro no princípio da legalidade (art. 5º, II, da CF), pois não há legislação expressa autorizando-a.
A jurisprudência é tímida na análise da matéria. Há julgados escassos no âmbito dos Tribunais Regionais, sem que fossem encontrados julgados no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Nos julgados encontrados, todavia, vem prevalecendo a segunda corrente exposta.
“(…)a inscrição e o cancelamento do registro em órgão competente é obrigação personalíssima, não podendo ser transferida a nenhuma outra pessoa física ou jurídica. O mesmo ocorre com o pagamento das anuidades. Como advogada que é, autora possui obrigação de estar em dia com a OAB na qual é inscrita, independentemente de ser empregada ou não.” (trecho do acórdão: TRT da 24ª Região, 0025451-08.2015.5.24.0002, 1ª Turma, Relator(a): Nery Sá e Silva de Azambuja, DEJT 25-06-2019)
“PAGAMENTO DA ANUIDADE DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. Não há amparo legal que obrigue o empregador ao pagamento das anuídas devidas às profissões regulamentadas. Recurso ordinário provido no particular.” (TRT da 2ª Região, 0000259-52.2014.5.02.0089, 11ª Turma, Relator(a): Ricardo Verda Luduvice, DEJT 13/01/2015)
2 A possibilidade de previsão em sentido contrário
Ainda que se adote a segunda corrente, estabelecendo-se a regra de que o empregado é responsável pelo pagamento das anuidades, é possível que haja previsão no próprio contrato de trabalho em sentido diverso. Tal previsão também pode constar em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, XXVI, da CF e art. 611-A, caput, da CLT).
Havendo cláusula contratual, o empregado poderá pleitear o ressarcimento dos valores despendidos caso haja supressão posterior do pagamento, com base no princípio da inalterabilidade contratual lesiva – art. 468, caput, da CLT.
“PAGAMENTO DE ANUIDADE DA OAB – AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO ESPECÍFICA DOS FATOS CONSTITUTIVOS DA PRETENSÃO AUTORAL – INCONTROVÉRSIA Não tendo havido controvérsia acerca da alegação de que a parte ré custeou, sponte propria, o pagamento da anuidade da OAB da parte autora até dois anos após o início do benefício previdenciário auxílio-doença e comprovado, pela prova oral, que era prática da demandada proceder dessa forma com relação a todos os seus advogados empregados e estagiários, aliado ao fato de inexistir qualquer justificativa para a mudança de atitude por parte da empregadora, procede a pretensão autoral ao ressarcimento dos valores despendidos a título de anuidade da OAB.” (TRT da 1ª Região, 0112800-20.2005.5.01.0041, 7ª Turma, Relator(a): Evandro Pereira Valadão Lopes, DEJT 02/03/2011).
O princípio da inalterabilidade contratual lesiva serviu para justificar a continuidade do pagamento da parcela mesmo quanto aos períodos de interrupção contratual, como do caso da empregada gestante que deixa de prestar serviços para a empresa.
“4 – Da anuidade da OAB (…) Se foi despedida grávida, sendo que a ré remunerou todo o período de garantia de emprego, a remuneração desse lapso temporal tem que observar, exatamente, o que ocorria na vigência do contrato. Sendo assim, se reclamante recebia, mensalmente, os valores relacionados aos pagamentos devidos por ela à OAB, esse direito permanece inalterado durante o período de garantia de emprego, nos termos do artigo 468 da CLT, quer a reclamante esteja trabalhando como advogada, quer não. O que dá direito à verba é o artigo 468 da CLT e não a natureza jurídica do pagamento (verba salarial ou não). O fato de não se ter expressamente indicado essa verba no documento onde o desligamento entre as partes foi documentado, não altera essa percepção, na medida em que as partes não podem dispor contra a letra expressa da lei (art. 468 da CLT, já citado).” (trecho do acórdão. TRT da 2ª Região, 1001993-34.2018.5.02.0201, 4ª Turma, Relator(a): Paulo Sérgio Jakutis, DEJT 16/06/2021).
Quanto à previsão em instrumento coletivo, é preciso atentar que a advocacia compõe categoria profissional diferenciada (art. 511, §3º, da CLT).
Diante disso, para que a cláusula atinja o advogado empregado, a convenção ou acordo coletivos devem ser firmados com o sindicato que representa a categoria diferenciada e não com o sindicato da categoria profissional representativo da atividade preponderante da empresa (art. 581, §1º, da CLT), sob pena de não lhe ser aplicável (Súmula 374 do TST):
“(…) As convenções coletivas juntadas aos autos foram firmadas entre o Sindicato dos Advogados no Estado de Santa Catarina – SINDALEX e o Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de Santa Catarina e o Sindicato das Empresas de Serviços Contáveis, Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas da Grande Florianópolis.
E, de forma diversa do que pretende fazer crer a autora, tais instrumentos coletivos não abrangem “todos os profissionais advogados, com vínculo de emprego no Estado de Santa Catarina”, sem quaisquer restrições, mas sim aqueles “cuja categoria econômica é representada pelo SESCON-SC, SECON-GRANDE FLORIANÓPOLIS”, hipótese diversa dos presentes autos.” (trecho do acórdão: TRT da 12ª Região – 0000583-63.2016.5.12.0034. 4ª T. Rel. Roberto Basilone Leite, DEJT 01/08/2017).
Traz-se abaixo um exemplo de cláusula constante na Convenção Coletiva firmada entre o Sindicato dos Advogados de São Paulo e o Sindicato das Sociedades de Advogados de São Paulo que, portanto, se aplica, durante seu prazo de vigência, tão somente às sociedades de advogados que contratarem advogados pelo regime celetista, não se aplicando a empresas de setores econômicos diversos existentes naquela base territorial:
“9. – ANUIDADE DA OAB – INDENIZAÇÃO
As Sociedades de Advogados indenizarão ao advogado empregado, desde que este tenha 12 (doze) meses completos de admissão na data de vencimento da anuidade da OAB/SP ou sua primeira parcela, o valor correspondente a 100% (cem por cento) de seu valor, mediante comprovação do pagamento pelo advogado empregado, proporcionalmente aos meses do ano, na primeira folha de pagamento seguinte à comprovação do pagamento à vista ou suas parcelas.”
Havendo previsão contratual ou em instrumento coletivo, para que o autor da ação faça jus ao ressarcimento, deverá comprovar nos autos que efetuou o pagamento da parcela, sob pena de improcedência do pedido (TRT 2ª Região. Processo: 1001577-46.2018.5.02.0434, 18ª T., Relatora: Renata De Paula Eduardo Beneti, DEJT 07/10/2020).
Por fim, nos julgados que analisaram a matéria, prevaleceu o entendimento de que, por se tratar de ressarcimento dos gastos efetuados, eventual pagamento pelo empregador possui natureza indenizatória e não salarial (TRT 3ª Região, Processo: 0011552-05.2017.5.03.0180, 4ª T., Rel.: Antonio Carlos R. Filho, DEJT 24/05/2018).
Conclusão
Em resumo, tem prevalecido na jurisprudência, ainda que timidamente, que a responsabilidade pelo pagamento da anuidade da OAB será do advogado empregado, ainda que contratado em regime de dedicação exclusiva, por se tratar de pré-requisito ao exercício da função, sendo possível, no entanto, que o contrato ou instrumento coletivo prevejam disposição em sentido contrário, cuja natureza será indenizatória.