RETROCESSO COMPETITIVO

AUSÊNCIA DE PROTEÇÃO MÍNIMA APÓS A CONCESSÃO DE PATENTE NO BRASIL

Retrocesso competitivo ip index

Existe um relatório que traz um índice muito interessante que mede a qualidade da proteção da Propriedade Intelectual no mundo – o International IP Index. Ele é produzido pelo Centro de Políticas de Inovação Mundial (Global Innovation Policy Center – GIPC), que é um órgão da Câmara de Comércio dos Estados Unidos (US Chamber of Commerce).

Esse índice é atualizado anualmente de acordo com vários fatores, todos revolvendo o uso e proteção dos ativos intangíveis conferidos aos países participantes. Com os resultados obtidos, os países são elencados em um ranking. Esse índice também serve de “roadmap para países que querem ser competitivos no século 21[1].

Hoje, o índice está na nona edição, e o Brasil está posicionado na 34ª Posição de 53 países participantes.

Analisando o resultado do relatório, vê-se que o índice do GIPC considera pontos fracos e fortes do Brasil conforme destacado nas tabelas abaixo (p. 87):

Pontos fracos Pontos fortes
·               Carência de proteção das ciências da vida através da Propriedade Intelectual e um ambiente de patenteabilidade dificultoso.

·               ANVISA é considerada uma barreira à patenteabilidade de biofármacos pela necessidade de análise dos pedidos pela referida entidade.

·               Participação limitada em esforços de Propriedade Intelectual – o Brasil é signatário de apenas dois dos nove tratados incluídos no índice.

·               A “Operação 404” em 2020 e “Operação Copyright” em 2019, visando um maior reforço da aplicação da legislação para fazer cessar o uso de obras submetidas ao direito de autor de forma gratuita desautorizada.

·               O Decreto 9.931, que estabelece um grupo interministerial para coordenar e supervisionar todas as questões relacionadas às políticas envolvendo Propriedade Intelectual no Brasil em 2019. Este grupo teria liderado a consulta pública sobre a estratégia nacional de Propriedade Intelectual lançada em 2020.

·               O Combate ao backlog de patentes do INPI, onde há um esforço da autarquia para diminuir a quantidade de pedidos de patente antigos sem análise de mérito e esta iniciativa estaria reforçada pela proteção mínima de 10 anos após a concessão dos pedidos de registro de patentes.

Lamentavelmente, além de o Brasil não estar nada bem posicionado no ranking constante no índice do GIPC, deparamo-nos com uma decisão extremamente danosa aos detentores de pedidos de patentes no Brasil justamente referente ao último ponto positivo elencado acima.

Ocorre que a proteção mínima de 10 anos para patentes após a concessão que vigia no nosso ordenamento jurídico não existe mais por força da decisão na ADIN 5.529-DF.

Nessa decisão, o parágrafo único do artigo 40 da LPI (lei 9.279/96) foi considerado inconstitucional, pois conferia prazo, em tese, indefinido de proteção aos depositantes de patentes. De fato, alguns depositantes de patentes abusavam do parágrafo único do referido artigo, que assim era redigido:

Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.

Apesar da resistência quase unânime dos amici curiae na referida ADIN, o Supremo Tribunal Federal considerou o ditame legal acima exposto inconstitucional. A ementa do julgado[2] é demasiadamente extensa para transcrevermos aqui, mas pode-se dizer que o fator determinante para que os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidissem pela inconstitucionalidade do dispositivo é que não há prazo para análise dos pedidos de patente no Brasil, sendo este indeterminado, tendo em vista que os pedidos de patente podem envolver questões complexas, que podem levar um tempo imprevisível para serem apreciados pela Autarquia Federal competente.

Fato é que a declaração de inconstitucionalidade deste dispositivo resultante da decisão na ADIN diminuirá a competitividade do Brasil. Se o país possui peculiaridades na sua legislação, em relação aos demais países signatários do TRIPS, em poucos outros países se demora tanto para analisar pedidos de patente, de modo que o que deveria estar “em cheque” é a “histórica ineficiência do INPI[3], conforme bem consignado por Aline Ferreira no seu sóbrio comentário na coluna “Legislação” no Valor Econômico, onde denuncia que a indústria farmacêutica, sobretudo, foi utilizada como bode expiatório para o problema.

O caso da indústria farmacêutica foi sui generis. Para os demais setores, a ADIN terá efeito ex nunc, mas para o setor farmacêutico, em razão da pandemia do COVID-19, passa a vigorar com efeitos ex tunc, retroagindo, portanto.

Isso é lamentável. Nossa legislação já socorre as situações onde uma patente é de interesse e necessidade pública, existindo recursos legais para a “quebra de patentes” (licenças compulsórias) prevista também na LPI. Se uma patente farmacêutica específica é imprescindível para combater a pandemia, o governo poderia ter se servido do art. 71 da LPI.

Utilizar o argumento da “pandemia” para atacar todo o setor de forma indistinta é, portanto, enfraquecer justamente um dos pontos que era considerado forte no nosso país. Isso foi um verdadeiro retrocesso, pois enfraquece a imagem do Brasil como país onde (não) se encontra segurança jurídica, o que também é relevante para o Índice Global de Inovação, especificamente quanto à “qualidade das decisões judiciais[4].

É inegável que há anos o INPI sofre com falta de pessoal e desaparelhamento para analisar patentes. Apesar dos louváveis esforços recentes, a lentidão nas análises de patentes pela Autarquia Federal continua preocupante e, especialmente, o backlog de patentes segue grotescamente alto.

Outro relatório[5] traz um gráfico para que se possa ter noção do atraso na análise de patentes no Brasil:

A tabela acima traz o período, em anos, que leva para se patentear algo em diversos países. Na Coreia e na China leva-se em torno de 3 anos para patentear algo. No Brasil e na Tailândia, leva-se mais de 10 anos em média.

Para jogar sal na ferida, vários precedentes invocam a necessidade de se ter a carta patente para forçar alguém que se utilize indevidamente de uma patente depositada a cessar o uso indevido. Se não houver provas cabais de que a empresa detentora do pedido de patente foi efetivamente quem desenvolveu a tecnologia ou a adquiriu primeiro por meios lícitos e que ela é de fato nova no estado da técnica, então a legislação brasileira sobrará apenas para reparar os prejuízos decorrentes do uso indevido, mas não impedi-lo.

Portanto, trilhou mal o nosso país, não abordando/atacando o real problema: a ausência de prazo para o INPI julgar as patentes, ou o excesso de prazo nos trâmites. Isso demonstra uma completa desconexão entre nosso judiciário, executivo e legislativo, que não conseguem se unir para combater um problema de forma holística.

Felizmente, há um projeto de lei que visa agilizar os procedimentos[6] de concessão de patentes, entretanto, até este aborda pontos que não são problemáticos, como o período de sigilo após o depósito da patente, o que não agilizaria o trâmite, apenas tolheria mais direitos dos depositantes de patentes, tendo em vista que o depósito sigiloso é estratégico para as empresas.

Vide que nos Estados Unidos o trâmite da patente é de pouco mais de três anos e eles também possuem o prazo de sigilo de 18 meses[7]. Essa mesma regra é utilizada em vários outros países, não sendo este o problema que deveria ser atacado.

Nosso problema parece ser muito mais de completa e generalizada ausência de priorização sobre essa pauta, que é de altíssima relevância estratégica como pontuado múltiplas vezes nesse texto. Dessa forma, é necessário nos mobilizarmos, sob pena de sermos vistos na comunidade internacional e para os como um país ainda mais anacrônico e indigno de receber investimentos externos.

[1]    https://www.theglobalipcenter.com/wp-content/uploads/2021/03/GIPC_IPIndex2021_FullReport_v3.pdf, p. 19.

[2]    https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%205529%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true

[3]    https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/08/26/adi-5529-e-seus-impactos-no-setor-farmaceutico.ghtml

[4]    https://www.globalinnovationindex.org/Home

[5]    https://sls.gmu.edu/cpip/wp-content/uploads/sites/31/2016/10/Schultz-Madigan-The-Long-Wait-for-Innovation-The-Global-Patent-Pendency-Problem.pdf

[6]    https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2218272

[7]    https://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1120.html

Acompanhe a coluna Economia Laranja no Portal Contraditor.com.

Autor

  • Advogado, Pós-graduado em Direito e Processo Tributário, especialista em propriedade intelectual, mestrando pelo PROFNIT - Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação. Sócio do escritório Antônio Mota Advocacia.

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