Curioso caso foi julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no dia 24 de agosto de 2021. Trata-se do REsp 1.908.703/BA, relatado pela Ministra Assusete Magalhães. O acórdão ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO DE APELAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA, INTEGRADA, EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, POR DECISÃO COLEGIADA. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 281 DO STF, POR APLICAÇÃO ANALÓGICA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
I) Recurso Especial interposto contra decisão monocrática publicada na vigência do CPC/2015, integrada por Embargos de Declaração, igualmente processados sob a égide da nova lei processual.
II) Trata-se, na origem, de petição apresentada pela contribuinte, pretendendo a concessão de efeito suspensivo ao seu recurso de Apelação, que impugnava sentença que julgara parcialmente procedente ação por ela ajuizada, para “manter o lançamento fiscal no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009, declarando que, nas operações de transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de entrada de mercadoria mais recente constante da nota fiscal da mercadoria com a exclusão ou abatimento dos impostos recuperáveis”. O pedido restou deferido, para atribuir efeito suspensivo ao seu recurso de Apelação, sustando os efeitos da sentença, até ulterior deliberação. De ofício, em posterior decisão unipessoal, o Relator, no Tribunal de origem, julgou prejudicado o pedido, em razão da perda do objeto, porquanto, posteriormente à decisão monocrática, foram acolhidos, com efeito infringentes, os Declaratórios opostos ao acórdão que improvera a Apelação aviada pela contribuinte, anulando-se o auto de infração e descontintuindo-se o crédito tributário, mantendo o decisum monocrático, porém, a anterior decisão, na parte em que atribuíra efeito suspensivo à Apelação da contribuinte e sustara os efeitos da sentença. O ora recorrente opôs Declaratórios à decisão monocrática, na origem, que foram rejeitados colegiadamente, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.
III. Nos termos do disposto no art. 105, III, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em Recurso Especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. Assim, a orientação há muito traçada por esta Corte é no sentido de ser incabível o Recurso Especial interposto em face de decisão monocrática, porquanto não esgotada a prestação jurisdicional, pelo Colegiado de origem.
IV) Segundo entendimento desta Corte, “quando o órgão colegiado aprecia embargos de declaração opostos contra decisão monocrática, em verdade, não examina a controvérsia, mas apenas afere a presença, ou não, de um dos vícios indicados no art. 535, I e II, do CPC. Por conseguinte, o fato de existir decisão colegiada não impede nem inibe a subsequente interposição de agravo regimental, este sim, apto a levar ao órgão coletivo o exame da questão controvertida” (STJ, AgRg no REsp 1.231.070/ES, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, DJe de 10/10/2012).
V) Nesse contexto, “o julgamento colegiado dos embargos declaratórios opostos à decisão monocrática não acarreta o exaurimento da instância para efeito de interposição de recurso especial. Aplicação analógica da Súmula 281 do STF” (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.144.980/GO, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe de 01/08/2018). No mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.344.777/MA, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/11/2020; AgInt no AREsp 921.127/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/10/2019; AgInt nos EDcl no AREsp 1.424.036/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 17/10/2019; AgInt no AREsp 1.267.031/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTATURMA, DJe de 26/06/2018; AgRg nos EDcl no AREsp 493.552/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe de 11/03/2016; AgRg no REsp 1.527.836/RR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 16/11/2015; EDcl no AgRg no AREsp 540.238/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/10/2014.
VI) No caso, o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso de Apelação, formulado pela contribuinte, foi julgado por decisão monocrática, seguindo-se Embargos de Declaração, opostos pela parte ora recorrente, que foram rejeitados, pelo Órgão colegiado. Contra esse acórdão, o recorrente interpôs o presente Recurso Especial. Incidência da Súmula 281/STF, por analogia.
VII) Recurso Especial não conhecido.[1]
Em resumo, o que se teve foi uma petição da parte para que fosse atribuído efeito suspensivo a um recurso de apelação. O pedido foi deferido pelo relator no tribunal local, em decisão monocrática. Contra a decisão foi interposto recurso de agravo interno que posteriormente foi julgado prejudicado, em razão da perda do objeto, por decisão monocrática do relator. Em face dessa decisão foram opostos embargos de declaração, julgados pelo colegiado e desprovidos.
Essa decisão colegiada motivou a interposição do recurso especial ao STJ que não foi conhecido, porque se considerou na Corte Federal que não houve o exaurimento da instância ordinária, pois o recurso especial, na verdade, dizia respeito a uma decisão monocrática.
Nos termos do voto da relatora, embora os embargos de declaração tenham sido julgados pelo colegiado, neles não há o exame da controvérsia em si, mas apenas da existência ou inexistência dos vícios formais que justificam a sua oposição (omissão, contradição, obscuridade ou erro material). Dessa maneira, esse tipo de recurso não tem efeito substitutivo em relação à decisão contra a qual foi oposto.
Por essas razões, entendeu a 2ª Turma que o objeto do recurso especial foi, na verdade, a decisão monocrática do relator e aí incidiria o bloqueio estabelecido pelo enunciado n. 281 da súmula de jurisprudência dominante do STF, por ainda caber recurso da decisão no âmbito da segunda instância.
Da leitura do acórdão conclui-se, então, que diante da decisão colegiada que julgou os embargos de declaração caberia a interposição do recurso de agravo interno.
Para justificar esse posicionamento, a ministra relatora lançou mão de precedente julgado pela Corte Especial do STJ no ano de 2012:
“Quando o órgão colegiado aprecia embargos de declaração opostos contra decisão monocrática, em verdade, não examina a controvérsia, mas apenas afere a presença, ou não, de um dos vícios indicados no art. 535, I e II, do CPC.
Por conseguinte, o fato de existir decisão colegiada não impede nem inibe a subsequente interposição de agravo regimental, este sim, apto a levar ao órgão coletivo o exame da questão controvertida”.[2]
No âmbito desse julgado, relatado pelo ministro Castro Meira, reconheceu-se que o exaurimento de instância haveria se os embargos de declaração tivessem sido recebidos como agravo interno ou se tivessem sido julgados como tal, a despeito da manutenção da nomenclatura original.
A compreensão, pelos tribunais locais, desse entendimento que parece estar consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a julgar pela quantidade de decisões nesse sentido após a definição da tese pela Corte Especial, é fundamental para evitar que não haja negativa de prestação jurisdicional e armadilhas processuais para as partes.
Quando se opõem embargos de declaração contra decisão unipessoal e eles, por algum motivo, são julgados de forma colegiada[3], deve ser garantido à parte o direito de interpor recurso de agravo interno, se assim ela entender necessário, não havendo que se falar em erro grosseiro nesse caso, pois o agravo é interposto contra a decisão monocrática que apenas foi integrada pela decisão colegiada resultante do julgamento dos embargos de declaração.
Se a decisão colegiada dos embargos de declaração não tem o efeito de substituir a decisão monocrática do relator, que foi aquela em que a controvérsia foi efetivamente resolvida, há de caber agravo interno, de modo a viabilizar que haja efetiva análise da controvérsia pelo colegiado, o que permitirá, se assim a parte entender necessário, a interposição do respectivo recurso especial.
Entendendo incabível o agravo interno nessas circunstâncias, o tribunal local estará colocando a parte recorrente em uma armadilha e negando-lhe, em certo sentido, a prestação jurisdicional, já que impedirá a análise da controvérsia por um colegiado e impedirá o exaurimento da instância ordinária.
A única saída para a parte, diante de uma decisão que entendesse incabível o agravo interno nessa situação, seria a oposição de novos embargos de declaração, “sob a alegação de erro no procedimento, o que viabilizaria a interposição do recurso especial para discutir, exclusivamente, a nulidade do julgado por ofensa ao art. 557 do CPC”[4] (assemelhado, em parte, ao art. 932 do CPC/2015).
Embora haja essa saída, ela serviria para fazer com que a discussão chegasse ao STJ em um recurso especial que, se fosse provido, geraria a anulação da decisão da instância inferior, do que resultaria o retorno dos autos, para que fosse julgado o agravo interno e, então, após a decisão colegiada sobre a controvérsia, fosse possível a interposição de novo recurso especial.
As questiúnculas processuais gerariam enorme desperdício de tempo e de recursos públicos, ferindo o direito fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII/CF).
Referências
BRASIL, STJ. AgRg no REsp 1.231.070/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, j. em 03/10/2012, DJe de 10/10/2012.
BRASIL, STJ. REsp 1.908.703/BA, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. em 24/08/2021, DJe 31/08/2021.
[1] BRASIL, STJ. REsp 1.908.703/BA, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. em 24/08/2021, DJe 31/08/2021.
[2] BRASIL, STJ. AgRg no REsp 1.231.070/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, j. em 03/10/2012, DJe de 10/10/2012.
[3] Uma saída que poderia abreviar esse calvário e livrar o jurisdicionado de uma situação de insegurança jurídica seria a de receber os embargos de declaração como agravo interno, nos termos do CPC/2015, art. 1.024, § 3º.
[4] BRASIL, STJ. AgRg no REsp 1.231.070/ES, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, j. em 03/10/2012, DJe de 10/10/2012.
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