Sou Ariadne Villela Lopes, juíza de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro desde maio de 2014. Gaúcha de Uruguaiana, vim para o Rio em razão da aprovação no concurso da magistratura e me senti em casa desde o primeiro dia.
Atualmente, estou designada para a Central de Audiências de Custódia da Capital, cuja competência consiste, basicamente, na análise dos autos de prisão em flagrante oriundos das comarcas da Capital, Baixada Fluminense, Niterói e cidades próximas, bem como das diligências relacionadas aos cumprimentos de mandados de prisão decorrentes de débito de pensão alimentícia, de prisão temporária, de prisão preventiva e de prisão condenatória, cujos cumprimentos ocorreram nessas mesmas comarcas.
Minha trajetória como juíza tem sido, basicamente, na área criminal, entre varas criminais comuns, tribunais do júri, vara de execuções penais e audiências de custódia. Nessa caminhada, tive o prazer de conhecer o amigo e colega Maurício Cunha, exemplo de pessoa e de magistrado, de quem tive a honra de receber o convite para escrever acerca da sentença criminal, desafio que aceitei imediatamente, com muito entusiasmo e muita alegria.
A sentença penal, assim como a cível, possui três elementos essenciais de validade: relatório, fundamentação e dispositivo.
O relatório deve conter as partes litigantes (em regra, o Ministério Público como órgão de acusação e a parte ré); a narrativa clara dos fatos imputados ao(s) réu(s), com todas as suas elementares e circunstâncias; os termos em que pleiteada a condenação do(s) acusado(s), de acordo com a denúncia ou queixa-crime oferecida; os termos da resposta à acusação apresentada pela parte ré e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo, incluindo o teor das alegações finais das partes, por meio das quais acusação e defesa finalizam seus requerimentos ao magistrado.
Na fundamentação e no dispositivo, contudo, estão as manifestações jurisdicionais mais importantes da sentença criminal, pois, de acordo com o artigo 93, IX da Constituição da República, “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (grifo nosso). Assim, para que a sentença seja um ato jurisdicional válido e democrático, deve conter a necessária e adequada fundamentação, seja no sentido da absolvição do(s) acusado(s), seja em relação à sua condenação.
Quando se tratar de delito material, como o crime de tráfico de drogas (artigo 33, “caput” da Lei nº 11.343/2006), a análise judicial, na fundamentação, deve iniciar pela materialidade delitiva, que, no caso do delito de tráfico de drogas, deve ser comprovada por meio do auto de apreensão da droga e do respectivo laudo de exame de entorpecente, atestando que a substância apreendida trata-se de droga.
Após, o magistrado deve enfrentar a autoria delitiva, reconhecendo-a ou afastando-a, de acordo com as provas dos autos, cuja comprovação, em regra, funda-se em depoimentos de vítima(s) e/ou testemunha(s).
Por fim, ainda na fundamentação, devem ser analisadas as causas de diminuição e de aumento de pena, previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal, bem como as previstas em legislação penal extravagante, como as arroladas no artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, especificamente previstas para os crimes dos artigos 33 a 37 da mesma lei.
Caso reconhecidas materialidade e autoria delitivas e não havendo incidência de causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade do(s) acusado(s), deve ser proferida sentença condenatória, nos termos do artigo 387 do Código de Processo Penal, devendo o magistrado aplicar a(s) pena(s) respectiva(s) ao(s) acusado(s).
Em regra, a dosimetria da pena deve constar na fundamentação da sentença, à exceção do estado do Rio de Janeiro, cuja tradição indica que a dosimetria deve estar contida no dispositivo. Independentemente da localização, como decorrência do Princípio da Individualização da Pena (artigo 5º, XLVI da Constituição da República), direito fundamental do réu, é necessário que o magistrado analise pormenorizadamente os fatos a ele imputados, de forma que a(s) pena(s) reste(m) estritamente individualizadas, de acordo com as circunstâncias do caso e com as circunstâncias pessoais de cada réu.
Nosso ordenamento jurídico adotou o critério trifásico da dosimetria da pena, escalonando o cálculo dosimétrico em três fases, de acordo com o artigo 68, “caput” do Código Penal.
Na primeira fase da dosimetria da pena calcula-se a pena-base, devendo ser consideradas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, quais sejam: culpabilidade do(s) réu(s), antecedentes criminais, conduta social e personalidade do(s) acusado(s), motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
A culpabilidade do réu é o grau de reprovabilidade da sua conduta. A elevação da pena base em razão da culpabilidade exacerbada é autorizada quando restar comprovado que os atos de execução do crime extrapolam a gravidade inerente à conduta típica. É o exagero na execução do delito, que atribui maior reprovabilidade à conduta do agente executor.
Os antecedentes criminais são todas as condenações penais transitadas em julgado em desfavor do(s) réu(s), cujo trânsito em julgado ocorreu anteriormente à prática do crime. Para análise de tal circunstância judicial, é necessário considerar os termos do enunciado nº 444 da súmula de jurisprudência majoritária do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a saber: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Portanto, somente condenações criminais com trânsito em julgado podem ser valoradas em desfavor do(s) réu(s), relativamente aos antecedentes criminais. Tal entendimento é corolário do Princípio da Presunção de Inocência, também direito fundamental do réu, nos termos do artigo 5º, LVII da Constituição da República.
A conduta social do(s) acusado(s) diz respeito a aspectos de sua vida não relacionados à seara do Direito Penal, ou seja, trata-se da análise do comportamento do acusado em suas relações familiares e de afeto, em família, em seu ambiente de trabalho.
Por sua vez, a personalidade do(s) réu(s) relaciona-se ao seu temperamento, ao seu caráter, ao seu equilíbrio emocional. Há entendimento jurisprudencial em sentidos opostos, no sentido de que é possível o magistrado realizar tal análise, de acordo com a vida pregressa do acusado, ou seja, deve-se analisar, por exemplo, sua reiteração na prática delitiva e a violência perpetrada na ação criminosa. Em sentido oposto, há entendimento jurisprudencial de que só é possível ao magistrado analisar a personalidade do(s) réu(s) quando realizado exame pericial, com elaboração do respectivo laudo psíquico, que indique aspectos da personalidade do agente. Filio-me à segunda corrente, por entender que o magistrado não dispõe do conhecimento técnico necessário para tal análise.
Os motivos do crime podem estar previstos como agravantes, nos termos do artigo 61 do Código Penal. Neste caso, deve o magistrado postergar a análise de tal circunstância para a segunda fase da dosimetria da pena, para evitar o “bis in idem”, que significa valorar em desfavor do(s) acusado(s) a mesma circunstância duas vezes. Caso não haja previsão dos motivos do crime como agravante, devem ser valorados na primeira fase da dosimetria.
As circunstâncias do delito também podem estar previstas como agravantes do crime, nos termos do artigo 61 do Código Penal, o que imporá ao magistrado, igualmente, a postergação da sua análise para a segunda fase da dosimetria da pena. Caso não exista previsão das circunstâncias do delito como agravante, impõe-se sua análise na primeira fase da dosimetria.
As consequências do crime, caso extrapolem àquelas naturalmente esperadas como decorrência da prática criminosa, de acordo com cada tipo delitivo, devem ser valoradas em desfavor do(s) réus(s). Por exemplo, a consequência de sofrer prejuízo financeiro como decorrência de ter sido vítima de crime contra o patrimônio não autoriza a elevação da pena na primeira fase da dosimetria, visto que tal circunstância é inerente à prática de tal tipo delitivo.
A circunstância judicial relacionada ao comportamento da vítima, em regra, tem sua análise prejudicada. Caso reste comprovado que a vítima contribuiu, de qualquer modo, para a prática delituosa, não há como valorar positivamente tal circunstância em relação ao(s) réu(s), pois, na primeira fase da dosimetria da pena, ou esta é elevada em decorrência de valoração negativa de circunstância(s) judicial(is), ou permanece inalterada, não sendo possível sua redução.
Na segunda fase da dosimetria calcula-se a pena intermediária, devendo ser valoradas as circunstâncias atenuantes, previstas no artigo 65 do Código Penal, e as circunstâncias agravantes, previstas nos artigos 61 e 62, ambos do Código Penal.
Por fim, na terceira fase da dosimetria da pena, fixa-se a pena definitiva ao(s) acusado(s), devendo ser analisadas as causas de diminuição de pena, também denominadas de minorantes, e as causas de aumento de pena, também denominadas de majorantes, previstas na parte geral ou especial do Código Penal ou na legislação penal extravagante. É possível a incidência de mais de uma causa de diminuição ou de aumento, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, podendo o magistrado, entretanto, optar por aplicar apenas uma causa de diminuição ou de aumento, quando previstas na parte especial do Código Penal, de acordo com a previsão do artigo 68, parágrafo único, também do Código Penal.
Verifica-se, portanto, que a imposição de pena aos indivíduos é trabalho artesanal do magistrado, resultante de análise pormenorizada das circunstâncias referidas, devendo-se garantir a todos a plenitude do direito de ter a pena dosada de acordo com as circunstâncias do delito e de acordo com suas circunstâncias individuais.