CONCURSO PÚBLICO: ENTRE SONHOS, DESAFIOS E REALIZAÇÕES

CONCURSO PÚBLICO: ENTRE SONHOS, DESAFIOS E REALIZAÇÕES

Foi com imensa alegria e entusiasmo que aceitei o convite do querido amigo Maurício Cunha para escrever para a coluna “Fala, concurseiro”. Peço licença para compartilhar com vocês um pouco da minha preparação e o método de estudo que utilizei.

Antes de iniciar, faço uma advertência: este breve texto é para aqueles que realmente sonham em ser aprovados em um concurso público. Se você é daqueles que acham que somente gênios passam em concurso público, lamento te dizer, mas você já está reprovado. Isso mesmo, reprovado liminarmente. O texto de hoje é para os obstinados pela aprovação…“sangue nos olhos”, ou, como diriam os amigos que estudam para carreiras policiais, “faca na caveira”.

O ano era 2007. Naquela noite eu estava, modéstia à parte, muito bem vestido. Traje black tie alugado e sapatos novos comprados em longas prestações por meio de carnê, já que eu era amigo do dono da loja de calçados e já havia usurpado todos os limites possíveis do meu cartão de crédito. A banda tocava New York, New York. Pessoas dançavam felizes ao meu redor. Amigos, colegas, familiares e professores. Era a minha festa de formatura!

Para boa parte dos meus colegas, aquele era o dia mais feliz e importante de suas vidas. Para mim, significava a passagem do status de estudante para o de desempregado. Todos riam e se divertiam, enquanto eu suava frio. Afinal de contas, quais seriam meus próximos passos? O que eu faria da minha vida? O que faz um bacharel em Direito? Eu simplesmente não tinha respostas para as minhas próprias indagações.

O sonho da magistratura, iniciado nos primeiros semestres da faculdade, sempre foi constante, mas a necessidade de sobreviver à selva chamada vida tinha batido na minha porta naquela noite, naquela festa.

Os cinco anos seguintes foram dedicados exclusivamente à advocacia. A dinamicidade da profissão não me deixava mais sonhar com a magistratura. Aliás, nesse período, a magistratura só vinha à minha mente quando eu, por polidez, guardava nos confins dos meus pensamentos tudo aquilo que não podia ser expressado nos embargos de declaração que volta e meia eu opunha.

Após cinco anos de trabalho árduo – e de muitas alegrias – na advocacia, o sonho da magistratura passou a ocupar mais espaço nos meus pensamentos. Então, resolvi me preparar para o desafio que mudaria completamente a minha forma de ouvir, de falar, de pensar e de viver: o concurso para juiz de direito.

O estudo para concurso público é como a vida: um tiro no escuro. Você nasce, mas não tem nenhuma ideia do que virá nos próximos dias, meses e anos. Como tocador de forró que fui, eu sabia apenas aquilo que aprendi com o compositor pernambucano Accyoli Neto: “Se avexe não, amanhã pode acontecer tudo, inclusive nada”. E como eu já tinha o “nada”, decidi correr atrás do “tudo”.

O primeiro passo foi estabelecer as três regras que norteariam a minha preparação: 1ª) o estudo é sua prioridade máxima, é algo inegociável. Estude todos os dias; 2ª) não importa quanto tempo vai levar, não pare e não tenha pressa; 3ª) faça o máximo de concursos que você puder.

O segundo passo foi planejar o meu estudo. Além de não poder parar de trabalhar, era preciso considerar o fato de que eu estava há cinco anos me dedicando exclusivamente à advocacia. Eu precisava construir uma base jurídica.

Me matriculei em um curso preparatório com duração aproximada de um ano e dividi o meu tempo de estudo da seguinte forma: advocacia no período matutino e estudo nos períodos vespertino e noturno. No período vespertino eu lia manuais. Uma única matéria por mês, até esgotar. No período noturno, eu assistia às videoaulas do curso preparatório.

Quanto aos manuais, optei pelas seguintes disciplinas: direito constitucional, direito administrativo, direito penal (apenas parte geral), direito processual penal e direito processual civil. Em relação à disciplina de direito civil, foquei apenas na parte geral, responsabilidade civil e direitos reais. Os demais temas de direito civil e as demais disciplinas foram estudados apenas por meio de leitura da própria lei seca, dos informativos de jurisprudência e dos cadernos que eu montei a partir das videoaulas do curso preparatório.

As manhãs de sábado e domingo eram dedicadas ao estudo dos informativos de jurisprudência (STJ/STF) e à resolução de questões.

Após ler os manuais, repeti o mesmo ciclo outras vezes, porém de forma mais rápida, porque, basicamente, passei a ler apenas os destaques feitos nas obras. Meus manuais foram todos grifados, o que facilitou muito na hora de revisar.

Mesmo quando um edital era publicado, o ritmo e método de estudo não mudavam. O método somente era alterado nas duas semanas anteriores à prova. Durante esse período, o foco era direcionado à leitura da lei seca das seguintes matérias: direito empresarial, direito eleitoral, direito tributário, direito do consumidor, direito da criança e do adolescente e direito ambiental.

Seja qual for o método utilizado, é preciso ter paciência. Os resultados não virão da noite para o dia. Somente o tempo dirá se o método utilizado está dando certo ou não. Pessoas mudam de método constantemente, sem, contudo, estudar por tempo suficiente para saber se ele é capaz ou não de proporcionar o resultado almejado. Não será, necessariamente, o grande número de páginas que você consegue ler por dia que te fará ser aprovado no concurso público, mas a quantidade de dias que você é capaz de permanecer estudando. Preparação para concursos de alto rendimento exige paciência e constância.

Essa foi a minha rotina durante três anos e três meses. Nesse período, fiz todos os concursos da magistratura que minhas condições financeiras permitiram e fui reprovado em quase todos eles. A cada concurso, sentia que minha pontuação aumentava. Era sinal de que o método que eu havia escolhido estava dando certo. A cada prova, uma decepção e um único dia para enxugar as lágrimas. No dia seguinte tudo voltava ao normal, pois um dia a menos de estudo para mim era um dia a mais de estudo para outras tantas pessoas que tinham o mesmo sonho.

Após muitas reprovações, os primeiros resultados positivos surgiram. Hora de estudar para a segunda fase. Aprender a fazer sentença. Novos desafios, novos cursos, treinamentos incansáveis e o sentimento de que todo o esforço estava valendo a pena. A aprovação estava cada vez mais perto.

Na segunda fase, a preparação consistia em revisar os destaques (grifos) feitos nos manuais, revisar os informativos e súmulas, treinar questões discursivas e sentenças. Na hora da prova, é preciso escrever de forma simples, concisa e objetiva. Evitar palavras rebuscadas e o uso do latim. Seu examinador não avaliará o seu vocabulário, mas apenas se você sabe, por exemplo, que “ação de controle concentrado de constitucionalidade não pode ser utilizada como sucedâneo das vias processuais ordinárias” (STF, ADPF 686 – informativo 1034).

Em seguida, vieram as provas orais e a sensação de que todos os examinadores descobririam que eu era uma farsa, que eu não sabia absolutamente nada. Saiba, querido leitor e querida leitora, que esse é o sentimento de grande parte dos candidatos que enfrentam uma prova oral. Mas assim como na vida, tudo passa.

A preparação para a aprova oral é muito parecida com a preparação para as provas discursivas. Mas ao invés de treinar sentença, o candidato deve treinar o discurso, a linguagem falada. Fazer um curso específico ajuda muito. Além disso, vale a pena abrir o sumário de um manual de direito constitucional, escolher alguns tópicos e tentar discorrer, em voz alta, sobre eles. Faça isso com as demais matérias.

O final da história você já deve imaginar. Após passar na primeira fase e sobreviver às demais etapas, a tão sonhada aprovação chegou. Quatro meses antes de eu ser nomeado para o cargo de juiz de direito substituto da justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, eu fui empossado, no mesmo tribunal, no cargo de oficial de justiça e avaliador federal. Vale, aqui, uma observação importante.

Muitos pensam que vale a pena estudar para um “concurso meio”, e, após, seguir para o “concurso fim”. Particularmente, penso que isso é um grande erro. Quantos anos você precisará para passar no tal “concurso meio”? Há muitos editais para esse concurso? Quanto tempo demorará até você ser aprovado e devidamente empossado? O tempo entre o início do seu estudo e a posse nesse “cargo meio” será maior do que o tempo que você precisa para ser aprovado e nomeado para o cargo dos seus sonhos.

Isso não significa que você não possa fazer outros concursos. Meu sonho era a magistratura. Meus estudos estavam voltados para esse certame. Todavia, durante a minha preparação, prestei concurso para outras carreiras. Quero dizer com isso que o “concurso meio” deve ser pensado como algo incidental, que surge no curso da preparação para o concurso fim.

Sempre me senti vocacionado para a magistratura e tenho certeza de que as minhas reprovações nos quatro cantos deste país tinham um único propósito: pessoas do Distrito Federal, em algum momento de suas vidas, deveriam cruzar o meu caminho e eu o delas. Isso acontecerá com você também!

Segundo Calamandrei, “o drama do juiz é a solidão…O drama do juiz é a contemplação contínua das tristezas humanas”. O primeiro desafio do juiz é viver em um constante dilema: a mesma pessoa que julga os erros e os acertos do seu próximo é, paradoxalmente, uma pessoa também dotada de erros e acertos. O julgador não é melhor nem pior que o julgado; e não raras vezes, suas decisões sofrem o julgamento livre da sociedade. É o peso de pesar o comportamento do próximo!

Se você chegou até aqui, parabéns! Já demonstrou ter paciência e perseverança. Sabe o que quer. Então, deixo aqui a principal dica. Os tribunais não buscam gênios, mas sim pessoas dedicadas. Aliás, disciplina e dedicação, ao fim e ao cabo, vencem a genialidade. Quando aprovado, não encare a nomeação como um troféu. Enxergue isso como uma oportunidade dada por Deus para que você substitua a dedicação ao concurso pela dedicação à sociedade.

Seja qual for o seu sonho, não o negocie. Faça dos seus estudos uma prioridade. Entenda que o período de abdicação é temporário e muito menor do que o tempo de colheita que virá após a aprovação.

Lembre-se. somente você pode transformar a sua vida. Jamais estabeleça fronteiras para o seu crescimento. Mantenha-se ávido de realizações, entusiasmado com suas próprias ideias e grato por cada dia de estudo. Lembre-se das lições de Schopenhauer: “a maioria das pessoas considera os limites da própria visão como limites do mundo. Poucas não fazem isso. Junte-se a elas”.

Autor

  • Juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. Mestrando em ciências jurídicas. Professor de direito processual civil em cursos de pós-graduação e preparatórios para carreiras jurídicas. Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil – ABPC e do IBDFAM. Aprovado nos concursos para os cargos de Oficial de Justiça e Avaliador Federal do TJDFT, Promotor de Justiça do MPTO e Promotor de Justiça do MPRO. Foi aprovado e classificado para a prova oral no concurso para Juiz de Direito Substituto do Estado do Rio Grande do Norte, tendo desistido de prestar a referida prova em razão de ter sido empossado no cargo de Juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. Foi advogado e professor universitário.

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Comentários

  1. Dr Jaylton,
    Você é um exemplo! Parabéns e obrigada por partilhar a sua vida conosco. Deus o abençoe! Shalom.

  2. Que luta e que benção. Você é merecedor de toda alegria e sucessos na vida.
    Obrigado por compartilhar sua história e nos inspirar, para que possamos compreender que nossos sonhos não devem ficar para trás.
    Grande abraço a você e família.

  3. Obrigada Doutor! Você é inspiração. Deus o abençoe poderosamente, todos os dias da sua vida. Um forte abraço.

  4. Excelente!!!
    Esforço e dedicaçao superam qualquer barreira.
    Cada um tem sua história.
    Meus Parabéns professor.

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