51. O SAMBA DA VIDA. DO SAMBA PARA A VIDA.

O samba da vida. Do samba para a vida.

Manchete de jornal anuncia

Jurado de escola de samba de São Paulo

Flagrado em momentânea folia

Por abandono da terceiridade

Terá sua nota descartada

No quesito alegoria

 

Assim foi determinado

O juízo estava contaminado

A valoração comprometida

Presunção outra não haveria

Sob pena de afronta à imparcialidade

E de malferir a isonomia

 

Inexistiu hesitação

O instrumentalismo não constituía premissa

Outro fosse o cenário

Decerto algum sujeito teria dito

Se a decisão puder ser favorável

A quem a nulidade aproveitaria

Tudo se resolve

Ao abrigo de mais essa tirania

Ou quem sabe outra alegoria

 

Tudo tem limites

Manchete diversa assentaria

Mesmo no samba

Palco da irreverência

Notas musicais e figurino livres

Pode até desfilar sem fantasia

Enredo de mau gosto também é permitido

As funções é que não podem ser confundidas

 

Quem julga não é parte

Porque julga, não cede à folia

Sequer torce ou se contorce

Tampouco distorce a lógica ou a ordem jurídica

Não favorece por ímpeto de verdade

– formal, material ou empírica –

ou por sentimento de justiça

E se indevassável a psiquê

À prova de retidão

Segue a cartilha do processo devido

Leia-se, das garantias

 

Uma vez julgador

Não baralha função

Tem no “reparto de papeles”

A própria dignidade de sua missão

Conforta-se na ciência

Reconforta-se na Constituição

 

A dança do jurado ensejou censura

A notícia ecoou preocupação legítima

A mente deu sobressaltos

Tomei-a como “leitmotiv”

Vou escrever sobre o tema, pensei

A prosa foi liminarmente descartada

Compor uma poesia

 

Consultei dileto amigo e coordenador

Da conveniência em explorar o veredicto

Na forma aqui sugerida

Não por acreditar

Que tão incomum notícia

Pedisse meio inconvencional

Crer que a prosa seja séria

Hesitando a grandeza da poesia

 

Não queria fazer troça

Malgrado o carnaval permita

Questão de liturgia

Dosagem do humor

Sem desfazer a seriedade na crítica

 

A ideia não é original

Um “plágio” de sentença penal lírica

Cujo fato típico, aliás

Se a memória não me trai

Remetia a ilícito comum nos carnavais

E se até a estrutura formal do decreto condenatório

Poderia ser convertida

Cá com meus botões

Tudo aceita a poesia

 

No que ele me respondeu

Que o ônus não era seu

Tal como as partes de um procedimento judicial

Não compartilham encargos com o julgador

– acréscimo meu –

Ele segue coordenador

Eu, escritor

Quem avalia é o leitor

 

A astúcia venceu

Rompeu a tradição

Fazer verso da prosa

Redescobrir tema caro aos garantistas

A começar por aquele versado em bruxaria

Que à imparcialidade dedicou tese

Temática pouquíssima estudada

Razões mais que conhecidas

 

A comédia é horizonte apropriado

A pesquisa científica um dos pontos de partida

De passagem, diga-se

Sobre o tema em testilha

A única até então conhecida

Que não se engane o leitor

Onde há “comunidade de trabalho”

Fatalmente

O enredo será enviesado

 

Eis que o samba não imita a vida

Bem que a vida poderia

 

Ao derradeiro, nada precisaria ser dito

O verdadeiro poeta havia antevisto

“Quem não gosta [da notícia] do samba, bom sujeito não é

“É ruim da cabeça ou doente do pé…”

Autor

  • Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Processo Civil da Unicap. Membro-fundador e Diretor de Assuntos Institucionais da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo (Annep) e do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). Advogado. mateuspereira@abdpro.com.br

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