O samba da vida. Do samba para a vida.
Manchete de jornal anuncia
Jurado de escola de samba de São Paulo
Flagrado em momentânea folia
Por abandono da terceiridade
Terá sua nota descartada
No quesito alegoria
Assim foi determinado
O juízo estava contaminado
A valoração comprometida
Presunção outra não haveria
Sob pena de afronta à imparcialidade
E de malferir a isonomia
Inexistiu hesitação
O instrumentalismo não constituía premissa
Outro fosse o cenário
Decerto algum sujeito teria dito
Se a decisão puder ser favorável
A quem a nulidade aproveitaria
Tudo se resolve
Ao abrigo de mais essa tirania
Ou quem sabe outra alegoria
Tudo tem limites
Manchete diversa assentaria
Mesmo no samba
Palco da irreverência
Notas musicais e figurino livres
Pode até desfilar sem fantasia
Enredo de mau gosto também é permitido
As funções é que não podem ser confundidas
Quem julga não é parte
Porque julga, não cede à folia
Sequer torce ou se contorce
Tampouco distorce a lógica ou a ordem jurídica
Não favorece por ímpeto de verdade
– formal, material ou empírica –
ou por sentimento de justiça
E se indevassável a psiquê
À prova de retidão
Segue a cartilha do processo devido
Leia-se, das garantias
Uma vez julgador
Não baralha função
Tem no “reparto de papeles”
A própria dignidade de sua missão
Conforta-se na ciência
Reconforta-se na Constituição
A dança do jurado ensejou censura
A notícia ecoou preocupação legítima
A mente deu sobressaltos
Tomei-a como “leitmotiv”
Vou escrever sobre o tema, pensei
A prosa foi liminarmente descartada
Compor uma poesia
Consultei dileto amigo e coordenador
Da conveniência em explorar o veredicto
Na forma aqui sugerida
Não por acreditar
Que tão incomum notícia
Pedisse meio inconvencional
Crer que a prosa seja séria
Hesitando a grandeza da poesia
Não queria fazer troça
Malgrado o carnaval permita
Questão de liturgia
Dosagem do humor
Sem desfazer a seriedade na crítica
A ideia não é original
Um “plágio” de sentença penal lírica
Cujo fato típico, aliás
Se a memória não me trai
Remetia a ilícito comum nos carnavais
E se até a estrutura formal do decreto condenatório
Poderia ser convertida
Cá com meus botões
Tudo aceita a poesia
No que ele me respondeu
Que o ônus não era seu
Tal como as partes de um procedimento judicial
Não compartilham encargos com o julgador
– acréscimo meu –
Ele segue coordenador
Eu, escritor
Quem avalia é o leitor
A astúcia venceu
Rompeu a tradição
Fazer verso da prosa
Redescobrir tema caro aos garantistas
A começar por aquele versado em bruxaria
Que à imparcialidade dedicou tese
Temática pouquíssima estudada
Razões mais que conhecidas
A comédia é horizonte apropriado
A pesquisa científica um dos pontos de partida
De passagem, diga-se
Sobre o tema em testilha
A única até então conhecida
Que não se engane o leitor
Onde há “comunidade de trabalho”
Fatalmente
O enredo será enviesado
Eis que o samba não imita a vida
Bem que a vida poderia
Ao derradeiro, nada precisaria ser dito
O verdadeiro poeta havia antevisto
“Quem não gosta [da notícia] do samba, bom sujeito não é
“É ruim da cabeça ou doente do pé…”