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32. DEPOIMENTO PESSOAL, RESPOSTAS EVASIVAS E CONFISSÃO FICTA

É POSSÍVEL “PUNIR” SEM PREVENIR?

Diego Crevelin de Sousa[1]

  1. Considerações iniciais

Desde a década de 1980 é forte entre nós o discurso de se buscar uma adequada divisão de trabalho entre partes e juiz (referência marcante em Barbosa Moreira).

A ideia impactou na compreensão dos brocardos iura novit curia e da mihi factum, dabo tibi ius. Em suas leituras tradicionais – e quase caricaturais, frise-se –, era função do juiz aplicar o direito ao caso, sem maior interação com as contribuições das partes, e era função das partes aportar provas aos autos, relegando-se ao juiz uma postura passiva.

A via encontrada para reler tais brocardos foi aquilo que chamo de dimensão argumentativo-discursiva do contraditório. Atentando para o caráter problemático do direito, à luz dos avanços provenientes da filosofia, mormente pós-giro linguístico, a doutrina passa a divisar o contraditório como garantia de informação, reação, influência e não surpresa. As contribuições das partes sobre o sentido do direito passam a ter de ser seriamente consideradas pelo juiz, estabelecendo-se um entretecimento inexorável entre contraditório e fundamentação das decisões (André Cordeiro Leal).

Isso iluminará tanto a decisão sobre o direito quanto a decisão sobre os fatos. O isolamento funcional encerrado pela leitura tradicional é questionado. Reconstruir o direito e os fatos passa a ser função conjunta das partes e do juiz. O fato de o juiz conhecer o direito não o desonera de considerar seriamente a argumentação jurídica das partes. O fato de as partes terem ônus probatórios e normalmente aportarem meios de provas aos autos não desobriga o juiz de assumir uma postura ativa, saindo à cata dos meios de prova necessários ao julgamento conforme à verdade e à realização da justiça, ainda que em caráter subsidiário. Grosso modo, nisso consiste a tão propalada comunidade de trabalho: assuntos jurídicos e fáticos são definidos no procedimento em contraditório entre todos os sujeitos do processo.

Todas as epistemologias processuais concordam com a dimensão argumentativo-discursiva da garantia do contraditório. O “senão” é apresentado pelo garantismo processual. Ele a tempera com a dimensão funcional da garantia do contraditório. Grosso modo, as garantias processuais são situações jurídicas ativas (pretensões, faculdades, poderes, imunidades etc.) das partes que visam a limitar, controlar e racionalizar o Estado-juiz. Em sua dimensão relacional, portanto, as garantias processuais concedem direitos às partes e deveres ao Estado-juiz. É a dimensão funcional das garantias processuais: todas as situações jurídicas ativas decorrentes de garantias processuais são funções privativas das partes, só podem ser exercidas por elas; todas as situações jurídicas passivas decorrentes de garantias processuais são funções privativas do juiz, só podem ser exercidas por ele.

Daí se tiram critérios jurídicos para a condensação da garantia da impartialidade, segundo a qual o juiz não pode ser parte nem exercer função de parte. Não exercer função de parte é não exercer situação jurídica ativa derivada de garantia processual. Por isso se entende, p. ex., que os poderes instrutórios oficiosos são inconstitucionais: como o contraditório é o fundamento constitucional do direito à prova, as situações jurídicas probatórias ativas (requerer, produzir, participar da produção, se manifestar sobre a prova produzida e ter essa manifestação considerada) são funções privativas das partes, de modo que o juiz que aporta meio de prova aos autos exerce função de parte, é partial.

Não se nega a importância da dimensão argumentativo-discursiva da garantia do contraditório – o juiz deve oferecer respostas aos argumentos das partes e não pode surpreendê-las –; apenas se adverte para o fato de que ela não pode borrar os limites funcionais que balizam os espaços de atuação das partes e do juiz, sob pena de instrumentalizar garantias para ampliar o poder que elas existem para limitar[2].

  1. Depoimento pessoal e confissão ficta: quando se deve fazer a comunicação prévia?

Quero chamar a atenção para um aspecto específico da divisão de trabalho entre partes e juiz: quando a parte deve ser advertida da possibilidade de aplicação da cominação de confissão ficta no bojo do depoimento pessoal?

Sabe-se que na intimação para depor deve contar expressamente a advertência de que, se o depoente não comparecer, ou comparecendo, se recusar a responder, incidirá a cominação de presunção ficta, presumindo-se verdadeiros os fatos que com o depoimento se buscava provar (CPC, art. 385, § 1º). Há recusa a responder quando o depoente silencia (CPC, art. 385, § 1º) ou quando responde com evasivas (CPC, art. 386).

Ou seja, a cominação incide quando a parte, (i) intimada para depor, (ii) presente na intimação a advertência de cominação, (iii) não comparece ou (iv) se recusa a responder, (iv.1) silenciando ou (iv.2) lançando evasivas.

Segundo a doutrina, a parte tem o dever de comparecer e o ônus de depor. O dever de comparecimento surge com a intimação para a audiência[3]. O ônus de depor surge com a inserção, na intimação para prestar depoimento, da advertência do art. 385, § 1º, CPC. Feita a intimação sem tal advertência, “o dever de comparecer subsiste, mas não o ônus de depor”[4]. Nesse caso, o não comparecimento da parte constitui ato atentatório à dignidade da justiça, apenável com multa (art. 77, IV e § 2º, CPC)[5], mas, comparecendo a parte e se recusando a depor (silenciando ou lançando evasivas), não cabe a aplicação da cominação[6]. Seja como for, comparecendo a parte e advertindo-a o juiz, na forma do art. 385, § 1º, CPC, estará sanado o defeito da intimação e ativado o ônus de depor[7]. Se o depoente, regularmente intimado, não comparecer justificadamente, também não se aplica a cominação. Nesse caso, a audiência deve ser redesignada (art. 362, II, CPC)[8] e reiterada a intimação, igualmente com a advertência do art. 385, § 1º, CPC.

Pois bem.

Pensando na necessidade de evitar a aplicação da sanção mediante surpresa da parte, a questão que me interessa aqui é a seguinte: o juiz deve reiterar a advertência no início ou durante o depoimento?

Há quem sustente que sim[9]. Sou simpático a esse entendimento, de resto bastante alinhado às ideias de lealdade e prevenção do juiz com as partes, mas não vejo como dizer, genericamente, que ele é um direito da parte (e um dever do juiz), cuja inobservância impede a posterior aplicação da sanção de confissão ficta. A parte já foi intimada pessoalmente, inclusive com a cominação. Não poderá se dizer surpresa com a eventual aplicação da sanção de confissão ficta caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.

A não ser em uma hipótese: quando o juiz entende que o depoente se recusa a depor porque lança «respostas evasivas»[10]. Nesse caso, o juiz não pode aplicar a confissão ficta por entender que as respostas foram evasivas se não advertiu a parte, durante o depoimento, dessa impressão. Aí sim, a aplicação da sanção gera surpresa, impondo a invalidação da decisão (CPC, art 10).

A concessão é imperiosa porque «resposta evasiva» é um conceito eminentemente interpretativo, só concretizável no caso concreto. É perfeitamente possível que a mesma resposta seja considerada satisfatória por alguém, mas evasiva por outrem. Dois juízes podem valorar diversamente a mesma resposta. E pior: a parte pode crer que sua fala é categórica, enquanto o magistrado a reputa evasiva.

Dadas essas possibilidades – bastante críveis –, é intolerável que a aplicação da confissão ficta resulte de ruídos de comunicação, e a forma de evitar isso – a prolação de decisão surpresa – é a reiteração da advertência não só no início, mas, principalmente, durante o depoimento. A transparência e previsibilidade que norteiam os atos processuais impõem ao juiz que dialogue previamente com o depoente a fim de evitar surpresas por falhas dialogais. Se o magistrado considera as respostas do depoente evasivas, deve adverti-la dessa impressão, sinalizando que, a seguir por essa trilha, poderá ser sancionado. Aí sim, mantida a postura fugidia, será válida (e legítima) a aplicação da confissão ficta.

Trata-se do dever de prevenção, por força do qual o juiz permite à parte que ela reaja, esclarecendo eventual mal entendido ou empreendendo postura mais adequada, influenciando inequivocamente na formação do provimento e evitando a surpresa de ter a cominação aplicada sem qualquer indicativo prévio e inequívoco de que o juiz reputava as respostas evasivas. Sem isso, a decisão que aplicar a sanção deverá ser invalidada.

O art. 386, CPC, não conduz a essa conclusão. Segundo o dispositivo, «quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e os elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor». Aplicado tábula rasa, porém, o dispositivo é inconstitucional.

Como é apenas na situação concreta e pela consideração das pessoas envolvidas que se pode definir a ideia de «respostas evasivas», o juiz deve prevenir a parte de que suas respostas soam evasivas e que poderá aplicar a confissão ficta. Se não sinalizar nesse sentido no curso do depoimento e aplicar a sanção, a decisão deverá ser invalidada. Apenas assim se salva a mácula de inconstitucionalidade da segunda parte do art. 386, CPC.

  1. Considerações finais

A divisão de trabalho entre juiz e partes é, sem dúvida, um tema da maior importância. É necessário saber o quais são as funções das partes e do juiz. O publicismo processual brasileiro – com seus vários personagens: instrumentalismo processual, neoprocessualismo, formalismo-valorativo, processo civil do Estado Constitucional etc. – se constitui sob essa preocupação e forneceu, sem dúvida, contribuições da maior importância ao que chamo de dimensão argumentativo-discursiva da garantia do contraditório.

O curioso é que, justamente por sua fidelidade ao fortalecimento do papel do juiz – que nunca pode ser diminuído, por isso o que se propugna é a elevação do poder das partes para equilibrar a comunidade de trabalho, o que acaba sendo uma vitória de Pirro, dado que, ao fim e ao cabo, o juiz compartilha das competências funcionais das partes, mas monopoliza a competência decisória, sendo o único sujeito processual que exerce poder, que submete os demais –, o publicismo processual acaba não só por eclipsar a dimensão funcional da garantia do contraditório – que poderia, efetivamente, construir um ambiente processual no qual cada sujeito processual exerce apenas as funções que lhe tocam, as partes protagonizando o debate e o juiz protagonizando a decisão, ainda que devendo interagir inflexivelmente com a colaboração daquelas – como por não explorar satisfatoriamente todas as possibilidades da própria dimensão argumentativo-discursiva da garantia do contraditório. Se meus argumentos estiverem corretos, a interpretação corrente conferida ao art. 386, CPC, que não atenta para o dever de prevenção por mim ora sublinhado, é um exemplo privilegiado dessa cegueira.

A dimensão argumentativo-discursiva da garantia do contraditório permite, então, concluir seguramente que não, não é possível punir sem prevenir. O juiz, considerando que o depoente oferece respostas evasivas, tem o dever de prevenir a parte, advertindo-a sobre a sua impressão, sob pena de a posterior aplicação da sanção de confissão ficta dever ser invalidada por ofensa à garantia do contraditório como influência e não surpresa.

 

[1] Mestre em direito processual pela UFES. Conselheiro da ABDPro. Parecerista ad hoc da RBDPro. Professor do curso de direito das FAACZ. Advogado.

[2] Trato disso com mais vagar em: SOUSA, Diego Crevelin de. Impartialidade. A divisão funcional de trabalho entre partes e juiz a partir do contraditório. Belo Horizonte: Letramento / Casa do Direito, 2021, passim.

[3] A existência desse dever é questionável em face da garantia de que ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, que tem eficácia transprocedimental; o tema, porém, não será aqui problematizado.

[4] ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. T. III. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 521.

[5] ASSIS, Araken de. Processo…, p. 519.

[6] DIDIER JR, Fredie. OLIVEIRA, Rafael Alexandria. BRAGA, Paula Sarno. Curso de Direito Processual Civil. V.2. 10ª Ed. Jus Podivm, 2015, p. 150.

[7] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 456.

[8] AMENDOEIRA JR, Sidnei. Depoimento Pessoal e Confissão no Novo CPC. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. V.5. Coord. Geral Fredie Didier Jr. Editora Jus Podivm, 2015, p. 696-697.

[9] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Curso de Direito Processual Civil. V.II. 2012, p. 245.

[10] Na hipótese de recusa a depor não se exige nova advertência, porque qualquer pessoa sabe que não responder significa calar diante das perguntas. Assim, a parte que silencia aos questionamentos a si feitos não pode se dizer surpresa com a cominação de confesso adiante aplicada, caso o juiz não tenha reiterado a advertência antes de iniciar o depoimento. Bem por isso, eventual alegação de surpresa constitui comportamento contraditório lesivo à boa-fé objetiva (art. 5º, CPC/2015) e litigância de má-fé (art. 77, II, CPC). Claro, o juiz pode reiterar a advertência ao depoente silente, mas aqui não há dever.

Autor

  • Mestre em direito processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Conselheiro da Associação Brasileira de Direito Processual. Parecerista ad hoc da Revista Brasileira de Direito Processual. Professor do curso de direito das Faculdades Integradas de Aracruz-ES. Advogado.

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