I
É senso comum a afirmação de que entre as hipóteses de impedimento e suspeição há uma diferença de grau: as hipóteses de impedimento seriam consideradas mais graves que as de suspeição[1].
Por isso, há quem defenda que as hipóteses de impedimento geram presunção absoluta de parcialidade, ao passo em que as hipóteses de suspeição geram presunção relativa de parcialidade.
Assim, presente uma hipótese legal de impedimento (v.g. o juiz é cônjuge de uma das partes, art. 144, IV, CPC), estaria, só por isso, violada a imparcialidade. Por outro lado, presente uma hipótese legal de suspeição (v.g. o juiz é amigo ou inimigo de uma das partes art. 145, I, CPC), a violação da imparcialidade ainda exigiria a comprovação de que o juiz efetivamente age de modo parcial.
É comum dizer-se, por isso, que “diferentemente do impedimento, cujos motivos são apurados de forma objetiva, gerando uma presunção absoluta de parcialidade do juiz, a suspeição gera apenas uma presunção iuris tantum, que deve ser dimensionada de acordo com a extensão apurada concretamente. Assim, além de indicar o motivo da suspeição, o interessado deve demonstrar que tal circunstância influenciou decisivamente no convencimento do magistrado em seu desfavor”[2].
A doutrina não deixa claro se, nesse modo de ver, o efetivo prejuízo (=a hipótese de suspeição ter provocado efetivo prejuízo a uma das partes) é (i) elemento nuclear do suporte fático da suspeição ou (ii) fator de eficácia dela. Ambos os enquadramentos são equivocados, porém.
II
Constitui erro lógico considerar o efetivo prejuízo elemento do suporte fático da suspeição.
O juízo sobre a suspeição não inclui a verificação do efetivo prejuízo (=definir se o juiz suspeito efetivamente beneficia ou prejudica uma das partes). O efetivo prejuízo está fora (=não integra o suporte fático) da suspeição. A suspeição existe antes e independentemente do prejuízo. Defender que o efetivo prejuízo integra o suporte fático da norma de suspeição é incorrer no mesmo equívoco de considerar que o dano (=lesão ao patrimônio material ou imaterial) é elemento do suporte fático do ato ilícito (=ato contrário à lei), quando se sabe que o dano está fora (=não integra o suporte fático) do ato ilícito (erro em que incorre até mesmo o legislador, v.g. no art. 186, CC). O dano (juridicamente relevante) é uma possível (portanto, não necessária) consequência do ilícito. Na tutela ressarcitória, primeiro se analisa se há ato ilícito para, depois (portanto, externamente ao ato ilícito), verificar se ele (o ato ilícito, já inteiro e acabado) causou dano. Aliás, tanto o dano está fora do ato ilícito que: há proteção contra ilícitos mesmo que eles não causem dano (v.g. retirar do mercado remédios não homologados pela Anvisa, mesmo que não gerem lesão à saúde dos consumidores); e há dano decorrente de ato lícito (que, por isso, não gera dever de indenizar, ex vi do art. 188, CC; ou seja, é dano juridicamente irrelevante). Basta ver o art. 12, CC, que autoriza o titular a (a) exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e (b) reclamar perdas e danos. Ora, em (a) o fundamento da tutela jurisdicional é apenas o ilícito (se quer prevenir sua ocorrência ou continuidade), já em (b) o fundamento da tutela é também o dano (aqui, ilícito + dano juridicamente relevante = direito ao ressarcimento pela lesa causada). Portanto, ilícito e dano não se confundem; aquele antecede este (e este pode até mesmo haver dano sem dever de indenizar, porque decorrente de ato lícito – art. 188, CC). Pode-se dizer, então, que o dano está para o ato ilícito assim como o efetivo prejuízo está para a suspeição: é consequência eventual, não elemento nuclear do respectivo suporte fático. Mais: assim como há tutela apenas contra o ilícito, sem qualquer aferição do elemento dano, a tutela da imparcialidade, via hipóteses de suspeição, sem qualquer aferição de beneficiamento ou perseguição concretamente praticado pelo juiz. Enfim, a norma de suspeição não tem como suporte fático a hipótese legal + o efetivo prejuízo. Isso seria confundir causa (=a suspeição) e efeito (=a suspeição haver influído no convencimento do julgador), erro palmar.
Consequentemente, também não é possível defender que o efetivo prejuízo é condição de eficácia da suspeição.
A condição é fator de eficácia que decorre da lei ou da convenção das partes. Nenhum dispositivo do direito positivo brasileiro prescreve – e seria inconstitucional se o fizesse – que a suspeição só (produz o efeito de) macula(r) a imparcialidade se e quando o juiz efetivamente atuar em benefício ou malefício de uma das partes. Por outro lado, a matéria é estranha à disponibilidade das partes. Nula, portanto, a convenção processual que dispense a imparcialidade do julgador (art. 190, parágrafo único, CPC).
Portanto, presente a hipótese legal de suspeição (v.g. o juiz é amigo ou inimigo íntimo de uma das partes – art. 145, I, CPC), não se condiciona sua decretação ao efetivo prejuízo dela decorrente (=a prova de que a amizade/inimizade influiu definitivamente na decisão do juiz).
Ora, ninguém ousaria defender que, havendo manifestação expressa do juiz dizendo que é amigo/inimigo de uma das partes, não seria tal declaração causa bastante para o seu afastamento por suspeição. Em tal circunstância, o afastamento do julgador não se sujeitaria à comprovação do efetivo prejuízo decorrente da relação de amizade ou inimizade.
É possível objetar o exemplo por sua inverossimilhança. Note-se, contudo, que levar o raciocínio ao extremo é útil para verificar a sua consistência. In casu, a ilustração não difere substancialmente da hipótese – mais factível – de uma parte alegar e provar, v.g., a relação de amizade do juiz com seu ex adverso, ainda que o magistrado negue a relação. Tanto num (manifestação expressa do juiz = confissão) como noutro (alegação e comprovação pela parte) caso, restou provada a relação de amizade. E isso, pela própria dicção legal, é suficiente à caracterização da suspeição.
III
O entendimento de que, além de indicar o motivo da suspeição, o interessado deve demonstrar que tal circunstância influenciou decisivamente no convencimento do magistrado em seu desfavor ainda merece mais duas reflexões.
Do ponto de vista dogmático, acaba menoscabando a exigência de que a imparcialidade deve estar presente durante todo o procedimento, não apenas no julgamento. Se é certo que o juiz impedido ou suspeito não pode julgar, não é menos correto que ele também não pode prover sobre tutela provisória, sanear o processo, presidir instrução etc. Aliás, o julgamento pode parecer plenamente parcial quando fundado nas provas efetivamente produzidas, turvando a parcialidade que, antes, levou o juiz a indeferir as provas requeridas por determinada parte apenas por perseguição. Aqui, a parcialidade interferiu diretamente em fase anterior ao julgamento e apenas indiretamente neste. A exigência de imparcialidade não admite temperamentos, não pode variar conforme as fases do procedimento. O juiz não pode ser mais ou menos imparcial conforme o estágio procedimental. E isso não deve(ria) exigir a adesão ao garantismo processual, basta levar a imparcialidade a sério.
Do ponto de vista do desempenho institucional, protelar o reconhecimento da parcialidade para depois do julgamento – único momento a partir do qual é possível saber, de fato, qual foi o convencimento formado pelo juiz – é solução que não justifica o consumo (que se revelará inútil) de tempo, dinheiro e energia nesse ínterim (máxime, mas não só, naqueles casos em que a causa legal é detectada em face embrionária do procedimento). Em um cenário de crise do Judiciário, quase inviabilizado por uma extraordinária cifra de processos pendentes, defender um entendimento que pressupõe a aceitação (de bom grado) do (elevado) risco de retrabalho é desprezar níveis mínimos de eficiência processual, em patamar exigível por qualquer epistemologia processual, inclusive o garantismo processual.
Aliás, não se pode desprezar o perigoso efeito perverso que daí pode advir: justamente por causa do volume balofo e galopante de feitos em curso, se acabaria, até inconscientemente, criando certa tolerância com a eiva, deixando de reconhecer invalidades para “aproveitar” a atividade processual realizada, o que acabaria por aniquilar o status garantístico do processo. O procedimento penal fornece exemplo crasso: o caso do art. 212, parágrafo único, CPP, segundo o qual o juiz só pode fazer perguntas suplementares às testemunhas, todavia muitos juízes insistem em inquirir as testemunhas antes das partes, não raro proferindo sentenças condenatórias com base nessa prova. Lamentavelmente, o STF e o STJ não reconhecem ilicitude em tal proceder, condicionando a anulação à comprovação do efetivo prejuízo: a parte teria que provar que não seria condenada se o juiz não tivesse violado o referido dispositivo legal, o que é simplesmente impossível. À base desse entendimento se encontra uma mixagem algo perversa, consciente ou não, entre inquisitorialismo e eficientismo[3]. Num momento em que a eficiência e o gerencialismo processual dominam os espaços (corações e mentes dos processualistas), servindo como condicionantes compreensivos dos demais significantes processuais (o devido processo legal vai compreendido como devido processo eficiente), esse é um risco alto e previsível que não se justifica ignorar. Não se descure que tal regra do CPP teve por móvel acentuar o modelo acusatório, cuja plataforma de lançamento é a noção de irrestrita divisão funcional de trabalho entre quem acusa, quem defende e quem julga, edificada justamente para preservar a garantia da imparcialidade. Desiderato fragilizado por questões de performance. Não é de hoje que os relatórios de produtividade gozam de maior prestígio que o intransigente respeito às garantias individuais.
IV
Nada justifica a tese do grau de gravidade entre as hipóteses de impedimento e suspeição. Para tanto, seria necessário, no mínimo, que as hipóteses legais de impedimento sempre fossem mais graves que as de suspeição, o que não ocorre. Ninguém é capaz de justificar convincentemente, v.g., por que o fato de o juiz litigar contra uma das partes (hipótese de impedimento, art. 144, IX, CPC) é mais grave que a circunstância dele ser credor ou devedor de uma delas (hipótese de suspeição, art. 145, III, CPC).
E também é falsa a tese de que as hipóteses de impedimento apresentam maior dose de objetividade. Se em alguns casos isso é verdade (v.g. é mais fácil provar o estado civil de casado – hipótese de impedimento: art. 144, IV, CPC –, do que a relação de amizade/inimizade do juiz com uma das partes – hipótese de suspeição: art. 145, I, CPC), noutras, não é o que ocorre (v.g. é tão objetivamente demonstrável a condição de credor ou devedor do juiz em relação às partes, quando a obrigação está vertida em título executivo – hipótese de suspeição, art. 145, III, CPC –, quanto a condição de litigante contra a parte – hipótese de impedimento – art. 144, IX, CPC).
E, de resto, ora o legislador trata uma hipótese como causa de suspeição, ora como causa de impedimento (v.g. o fato de ser o juiz herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de uma das partes era hipótese de suspeição no CPC/73, art. 135, III, e tornou-se hipótese de impedimento no CPC/15, art. 144, VI).
De modo que as construções de possíveis “diferenças ontológicas” entre as hipóteses de suspeição e impedimento são insustentáveis[4], beiram a caricatura.
Impedimento e suspeição possuem natureza jurídica de pressuposto processual de validade. Os §§ 5º, 6º e 7º do art. 146, CPC, prescrevem que ambos irradiam várias consequências idênticas: em caso de acolhimento, condenação do juiz ao pagamento de custas; nomeação do substituto legal; definição do momento a partir do qual o juiz não poderia atuar; e anulação dos atos praticados nesse período.
O direito positivo infraconstitucional só permite elencar duas diferenças entre impedimento e suspeição: a suspeição deve ser arguida no prazo de 15 dias, contados da ciência da causa de suspeição, pena de preclusão, enquanto o impedimento pode ser arguido a qualquer tempo, não se sujeitando à preclusão (distinção deduzida majoritariamente do fato de que o impedimento constitui vício rescisório); (ii) a decisão proferida por juiz impedido é rescindível (art. 966, II, CPC), enquanto a proferida por juiz suspeito, não. Nada mais distingue as figuras.
V
Todavia, referidas diferenças não passam ilesas pela interpretação constitucional da garantia da imparcialidade, ao menos pelo marco teórico do garantismo processual.
Para essa epistemologia toda linguagem sobre o processo é constitucional. O processo é o conjunto de garantias (expressas ou implícitas – art. 5º, § 2º, CRFB) contrapoder instituídas em favor do cidadão. Esse conjunto garantístico está previsto na Constituição – apenas nela. Daí o processo ser constitucional, sem mais adjetivos. No garantismo processual, o que se convencionou chamar processo civil, processo penal etc., são as concretizações das garantias processuais, ou seja, é o procedimento – por isso se fala em procedimento civil, procedimento penal etc.
Disso decorre a identificação de duas disciplinas distintas: a processualística, cujo objeto de estudo é o programa normativo constitucional (CRFB e os diplomas que compõem o bloco de constitucionalidade) e a procedimentalística, cujo objeto de estudo é o programa normativo infraconstitucional (CPC, CPP etc.). A primeira interfere nesta, mas não se debruça diretamente sobre o objeto de estudo dela; a segunda desenvolve-se em atenção à primeira, é por ela influenciada e condicionada, mas dedica-se à sua concretização pormenorizada.
Evidentemente, ambas são relevantes, apenas possuem objetos epistêmicos diretos distintos. E nada impede que, com rigor metodológico, o estudioso se debruce sobre ambas. Ele só não pode perder de vista que o constitucional desde-já-sempre coloniza todo o procedimental. Daí deriva o que já denominei eficácia transprocedimental das garantias processuais.
Eis o ponto.
A imparcialidade é indubitavelmente garantia processual/constitucional. Em verdade, é garantia arquifundamental[5]. À vista do que já foi exposto, quero desdobrar duas consequências – sem prejuízo de outras.
Primeiro, sendo garantia processual a imparcialidade não pode ser mais ou menos intensa em razão do tipo de procedimento. O contraditório é garantia de informação, reação, influência e não surpresa em qualquer procedimento. O mesmo se dá com a garantia da imparcialidade. Nada justifica que o juiz do procedimento penal seja mais ou menos imparcial que o juiz de qualquer procedimento extrapenal. Se a imparcialidade é garantia contrapoder e o Estado-juiz é poder tanto no procedimento penal como nos procedimentos extrapenais, eventual discrímen é não só reprovável como deplorável. Logo, v.g., eventuais hipóteses de suspeição e impedimento previstas apenas no CPC incidem em todos os demais procedimentos[6].
Segundo, já estando claro que inexiste diferença ontológica entre impedimento e suspeição, vale dizer, o juiz impedido é tão parcial quanto o juiz suspeito, nada justifica que entre eles haja regimes jurídicos distintos. Não é possível admitir a existência de preclusão para arguir suspeição, tampouco restringir o cabimento de ação rescisória à violação das hipóteses de impedimento. O prazo referido pelo art. 146, CPC, não pode considerado peremptório para a suspeição, e a primeira parte do inciso II do art. 966 do CPC deve ser interpretada extensivamente para abarcar a suspeição[7].
Outras consequências poderiam ser referidas, a começar pelo fato de que os róis dos arts. 144 e 145, CPC, são meramente exemplificativos[8]. Mas a verdade é que, antes disso, já é passada a hora de simplesmente abolir qualquer distinção entre impedimento e suspeição. A começar pelo gabarito legal: ele deve abandonar qualquer distinção entre uma e outra. Afinal, se isso serviu para alguma coisa foi apenas para fragilizar a garantia da imparcialidade.
Enfim, tanto o impedimento como a suspeição devem ser reconhecidos tão comente com a comprovação da incidência concreta da hipótese legal[9]. Sem mais.
[1] Roque, André Vasconcelos. Breves Comentários ao Código de Processo Civil. Coord. Teresa Arruda Alvim Wambier. Fredie Didier Jr. Eduardo Talamini. Bruno Dantas. 3ª ed. RT. 2016, p. 527.
[2] XAVIVER, Trícia Navarro. Ordem Pública Processual. Gazeta Jurídica. 2015, p. 186.
[3] Recentemente, em 17.11.2017, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, no HC 111.815, que o juiz deve observar o disposto no artigo 212, CPP, a fim de que, primeiramente, as partes interroguem as testemunhas, podendo o magistrado formular perguntas apenas quando algum esclarecimento for necessário. O julgado é de algum modo alvissareiro, mas ainda não deve ser encarado como indicativo de uma nova posição da corte sobre o tema. Primeiro, porque foi decisão de uma Turma, podendo vir a ser examinada noutro sentido pelo Pleno. Segundo, porque a decisão foi tomada por apertada maioria. Terceiro, porque não levou o reconhecimento da nulidade às últimas consequências, ou seja, não anulou o procedimento desde a oitiva, como seria de rigor. O julgado é um indicativo positivo, nada mais que isso. Deve-se acompanhar como o Tribunal se pronunciará em casos futuros.
[4] “a distinção entre as hipóteses de impedimento e de suspeição, assim, resulta simplesmente da opção de política legislativa e não é informada por um critério lógico”. (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª ed. RT. 2016, p. 270).
[5] COSTA, Eduardo José da Fonseca. As Garantias Arquifundamentais Contrajurisdicionais: não-criatividade e imparcialidade. Revista eletrônica Empório do Direito: https://emporiododireito.com.br/leitura/as-garantias-arquifundamentais-contrajurisdicionais-nao-criatividade-e-imparcialidade
[6] Conferir: Falando de Processo: mesa redonda #26. https://www.youtube.com/watch?v=e7fobcjAJtw&t=646s
[7] Conferir: Falando de Processo: mesa redonda #26. https://www.youtube.com/watch?v=e7fobcjAJtw&t=646s
[8] “Segundo William Stern, a psicologia pode ser a) ingênua (baseada em crenças tendentes a princípios últimos ou em um conhecimento intuitivo), b) artística (baseada numa compreensão mitológica da realidade) ou c) científica (baseada em certos métodos e pontos de vista críticos). Ora, os legisladores do CPP, da LPAF e do CPC agem de acordo com a atitude (a), ou seja, como “cientistas psicológicos intuitivos e espontâneos”, que a partir de uma “proto-psicologia de senso comum” produzem normas sobre controle de quebras de imparcialidade judicial mediante hipóteses de suspeição e impedimento, tentando predizer essas quebras sem qualquer background em observação científica controlada e em métodos objetivos, serenos e enérgicos da ciência psicológica. Ora, como bem destacam Christoph Engel e Gerd Gigerenzer, o noivado entre o direito e psicologia tem um passado longo, mas uma história curta, já que as intuições psicologistas estiveram presentes desde o amanhecer do direito, embora um empreendimento mais interdisciplinar ainda esteja na adolescência. Não por outra razão o rol (supostamente taxativo) de causas de impedimento e suspeição é discreto, simplório, superficial, fragmentário, descontínuo, casuístico, assistemático, coletado sensitivamente a esmo e cheio de particularidades. Como bem dito por Pontes de Miranda, “o empirismo não é suficiente à evolução porque, incapaz de generalizar, se mantém plural, adstrito ao particular, como que espalhado pelo mundo dos fenômenos, de cuja complexidade causal não se adverte”. Daí por que é possível enxergar nessas causas um princípio geral, que lhes sobrejaza e que permita aí uma interpretação extensiva. Só por isso já se poderia apostar que os juristas do processo tratariam esses róis como exemplificativos, agregando-se-lhes extensivamente novas situações particulares de enviesamento cognitivo-judicial até que se pudesse atingir – sobre os trilhos de uma direção exata – o princípio-símbolo do juiz de racionalidade limitada [“principle of boundedly rational judge”]. Afinal de contas, onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito [ubi eadem ratio, ibi eadem ius]”. (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a Imparcialidade a Sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Jus Podivm. 2018, p. 188-189).
[9] É o entendimento de Mateus Costa Pereira: “tanto no impedimento quanto na suspeição, são suficientes a alegação e a prova de qualquer das causas descritas no arts. 144/145 ou 147, havendo automática quebra de imparcialidade”. (in Código de Processo Civil Comentado. Coord. Helder Moroni Câmara. Almedina. 2016, p. 236-237).