112. HÁ “JABUTI(S)” EM DECISÕES JUDICIAIS?

Jabuti sobe em árvore? Não.
Se tem jabuti em árvore, é porque alguém colocou lá! 

– 

reclamação, desde sua origem remota no direito brasileiro – fruto de construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, baseada na teoria dos poderes implícitos até a sua positivação no Código de Processo Civil de 2015 –, recebeu por parte da doutrina e da jurisprudência diversas imputações quanto à sua natureza jurídica, entre elas, recurso, incidente processual, direito de petição e ação.

Rigorosamente, a divergência era alimentada por argumentos de autoridade, os quais não eram equilibrados pela autoridade dos argumentos. No entanto, a partir da vigência do atual Código de Processo Civil não nos restam dúvidas de que o instituto possui natureza jurídica de ação.  Denota-se isso da compreensão dos arts. 988 a 993 do CPC ao revelar que a reclamação (i) pressupõe iniciativa da parte para o ajuizamento, (ii) objetiva a correta aplicação do direito, impedindo afronta a decisões vinculantes ou usurpação da competência dos Tribunais; (iii) instaura lide; (iv) cria relação processual-procedimento própria e; por fim, (v) sua decisão perfaz coisa julgada.

 

Assim, o instituto pode ser conceituado como sendo ação cujas finalidades são: (i) assegurar a competência do STF[1] nas hipóteses em que quaisquer decisões ou atos emanados pelos órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta nas esferas federal, estadual ou municipal venham a afrontá-la; (ii) garantir a autoridade das decisões proferidas no bojo de processos de controle concentrado abstrato de constitucionalidade e amparadas em súmulas vinculantes (=constitucionalmente vinculantes) e, por fim, (iii) garantir a observância de acórdãos de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida e julgada ou de aresto proferido em julgamento de recursos especiais repetitivos, percorridas as instâncias ordinárias (=legalmente vinculantes).

Malgrado existam diversos aspectos a serem explorados no âmbito de estudo da reclamação, interessa-nos, pontualmente, a questão relativa à incidência dos honorários advocatícios no âmbito das ações julgadas pelo STF.

– II 

Há uma verdadeira esquizofrenia jurisprudencial quanto ao tema no STF.

Em uma rápida pesquisa na Corte podemos encontrar tanto acórdãos proferidos por ambas as turmas favoráveis quanto desfavoráveis à incidência dos honorários advocatícios. Monocraticamente a situação não difere; a pluralidade de decisões contraditórias e a falta de unanimidade nos órgãos colegiados em fixar um entendimento uniforme em num ou noutro sentido, para além da evidente insegurança jurídica, acaba desencadeando efeito colateral indesejado, seja do ponto de vista do aumento quantitativo do acervo da Corte, seja sob o prisma dos jurisdicionados, os quais acabam por prorrogar a relação jurídico-procedimental através de recursos evitáveis, caso o enfretamento do tema fosse racionalmente enfrentado e a decisão tomada de maneira conclusiva.

Mas a celeuma quanto ao cabimento dos honorários em sede de reclamação não termina unicamente nessa incógnita.

A competência para processar e julgar a fase de cumprimento da decisão que fixa honorários advocatícios também não passa por um momento – digamos – de estabilidade.

Nos pronunciamentos que, acertadamente, admitem a incidência da verba e carreiam à parte sucumbente da demanda autônoma – compreensão ínsita à existência de ação em regular contraditório entre reclamante com participação do beneficiário da decisão impugnada (CPC, art. 989, III), representado por advogados e procuradores, exame de causalidade e aplicação da regra exposta no art. 85 e seguintes do CPC –, a fase de cumprimento tanto pode se dar no próprio procedimento havido no STF quanto poderá ser realizada no juízo de origem. Tudo a depender da discricionaridade do órgão julgador.

Notem que até este momento, o que seria objeto da fase de cumprimento eram os honorários fixados pelo órgão que processou e julgou a reclamação, variando ou podendo variar apenas o órgão encarregado de prosseguir, mediante provocação, com o procedimento de cumprimento da condenação à verba honorária, ora no próprio STF, ora no juízo prolator da decisão reclamada[2].

Em relação ao procedimento ou fase de cumprimento (=atos de execução) da verba honorária perante o juízo prolator da decisão impugnada, que deu origem à reclamação, levando-se em conta o fato de que o STF não dispõe de estruturas de pessoal e material necessárias e adequadas para a consecução de atos procedimentais e materiais ínsitos ao cumprimento de sentença, seja pela peculiaridade de suas funções jurisdicionais (conhecimento, preponderantemente), seja pela dimensão e abrangência nacional (comarcas e seções judiciais de todo o país) de decisões judiciais e administrativas que poderão dar ensejo ao ajuizamento da ação autônoma perante a Corte, reconhecemos a impossibilidade ou, ao menos, a extrema dificuldade que um eventual cumprimento de decisão oriunda de reclamação poderá causar perante o funcionamento do Tribunal.

Desse modo, parece-nos que o cumprimento da condenação à verba honorária poderá, quando expressamente estabelecido na decisão/acórdão proferido pelos órgãos do STF, ser realizado nos autos do processo de origem, evidentemente, em se tratando de decisão judicial, visto que, por outro lado, o cumprimento de condenação em honorários advocatícios em reclamações contra atos administrativos contrários, por exemplo, à súmula vinculante, dar-se-á no âmbito do STF.

Nesse sentido, é o que se colhe do julgamento proferido pela Primeira Turma na Rcl 24.417:

“AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO E DO TRABALHO. REMUNERAÇÃO. SÚMULAS VINCULANTES 37 E 42. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RECLAMAÇÃO. NOVO REGIME PROCESSUAL. CABIMENTO.

  1. Não viola as Súmulas Vinculantes 37 e 42 decisão que, com base no Decreto nº 41.554/97 e Lei nº 8.898/94, ambos do Estado de São Paulo, garante a empregada pública cedida da Fundação Municipal de Ensino Superior de Marília para a Faculdade de Medicina de Marília – FAMENA o percebimento de remuneração conforme índices estabelecidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo – CRUESP. Precedentes.
  2. O CPC/2015 promoveu modificação essencial no procedimento da reclamação, ao instituir o contraditório prévio à decisão final (art. 989, III).Neste novo cenário, a observância do princípio da causalidade viabiliza a condenação da sucumbente na reclamação ao pagamento dos respectivos honorários, devendo o respectivo cumprimento da condenação ser realizado nos autos do processo de origem, quando se tratar de impugnação de decisão judicial.
  3. Agravo interno a que se nega provimento” (Rcl 24.417 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082  DIVULG 20-04-2017  PUBLIC 24-04-2017) (g.n.).

Todavia, ocorre que o STF, referindo-se a esse “precedente” inovou em, ao menos, três reclamações “agregando” uma questão “não dita e nem decidida” na Rcl 24.417, qual seja: a delegação ao órgão prolator da decisão judicial impugnada via reclamatória para fixar em desfavor da parte sucumbente na reclamação a condenação em honorários advocatícios. Em outros termos, ao dar provimento a eventual recurso da parte reclamante para reconhecer a incidência dos honorários na ação de impugnação autônoma, o STF transfere (=incumbe) ao órgão judicial que proferiu o ato impugnado, a competência para fixar tal verba “nos autos do processo de origem”. Com isso, o STF sponte propria e sem qualquer intermediação legislativa, quiçá infralegal, acaba por “cindir” a sua competência para, originalmente, conhecer, processar e julgar (=evidentemente todos os capítulos pertinentes à ação, inclusive, os honorários de sucumbência) nos termos do art. 102, I, “l” c.c. art. 988 do CPC.

As reclamações com essa espécie de “jabuti” são:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA AÇÃO RECLAMATÓRIA. POSSIBILIDADE. AGRAVO PROVIDO. 1. A colenda Primeira Turma desta SUPREMA CORTE, no julgamento da Rcl 24.417 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, concluiu pela possibilidade da fixação de honorários advocatícios nas reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015, haja vista a instituição de contraditório prévio à decisão final, previsto no art. 989, III, do mencionado diploma legal. 2. O colegiado também estabeleceu que o cumprimento da condenação em honorários deverá ser realizado nos autos do processo de origem, quando se tratar de impugnação de decisão judicial. 3. Agravo interno a que se dá provimento para condenar a parte sucumbente na presente Reclamação ao pagamento de honorários advocatícios, que deverão ser fixados nos autos do processo de origem” (Rcl 35.372 ED-AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 03/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-093  DIVULG 14-05-2021  PUBLIC 17-05-2021) (g.n.).

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA AÇÃO RECLAMATÓRIA. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. A colenda Primeira Turma desta SUPREMA CORTE, no julgamento da Rcl 24.417 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, concluiu pela possibilidade da fixação de honorários advocatícios nas reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015, haja vista a instituição de contraditório prévio à decisão final, previsto no art. 989, III, do mencionado diploma legal. 2. O colegiado também estabeleceu que o cumprimento da condenação em honorários deverá ser realizado nos autos do processo de origem, quando se tratar de impugnação de decisão judicial. 3. Embargos de Declaração acolhidos, sem efeitos infringentes, tão somente para condenar a parte sucumbente na presente Reclamação ao pagamento de honorários advocatícios, que deverão ser fixados nos autos do processo de origem” (Rcl 31296 ED, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-209  DIVULG 24-09-2019  PUBLIC 25-09-2019) (g.n.).

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OMISSÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA AÇÃO RECLAMATÓRIA. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. A colenda Primeira Turma desta SUPREMA CORTE, no julgamento da Rcl 24.417 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, concluiu pela possibilidade da fixação de honorários advocatícios nas reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015, haja vista a instituição de contraditório prévio à decisão final, previsto no art. 989, III, do mencionado diploma legal. 2. O colegiado também estabeleceu que o cumprimento da condenação em honorários deverá ser realizado nos autos do processo de origem, quando se tratar de impugnação de decisão judicial. 3. Embargos de Declaração acolhidos, tão somente para condenar a parte sucumbente na presente Reclamação ao pagamento de honorários advocatícios, que deverão ser fixados nos autos do processo de origem” (Rcl 42.797 AgR-ED, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 27/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-085  DIVULG 04-05-2021  PUBLIC 05-05-2021) (g.n.).

Note-se, por oportuno, que nas três “decisões jabutis” são feitas referências expressas à Rcl 24.417, cujo conteúdo decisório, expressamente, ressalva a possibilidade de apenas o “cumprimento da condenação” se realizar “nos autos do processo de origem”.

Curiosamente, tanto a Rcl 24.417 quanto as três que a ela se referem como “precedente” emanam da Primeira Turma da Corte.

Ao que parece, data maxima venia, de duasuma: ou os membros daquele colegiado não se aperceberam da distinção entre a possibilidade de atribuir o mero cumprimento de uma verba já fixada na reclamação pelo órgão competente e a efetiva fixação ou carreamento da condenação a tal verba; ou, compreenderam-na perfeitamente, mas “como gato sobre brasa” inseriram um “novo elemento dissociativo da discussão sobre a questão da verba honorária”, inaugurando, por assim, dizer uma espécie de “jabuti jurisdicional”.

Sabemos todos – inclusive o STF, porque assim decidiu na ADI 5127 –, que “viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória[3].

Antes disso, a LC 95/98 a qual dispõe sobre a “elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, concretizando o comando do art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal”, especificamente o art. 7º, II é claro ao estabelecer que “a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão”.

Nessa perspectiva, no processo legislativo nacional, toda e qualquer inserção de texto normativo alheia à temática nuclear (=tema principal) em um projeto de lei ou medida provisória enviada ao Legislativo pelo Executivo, ou mesmo fruto da atividade típica do parlamento, são considerados “jabutis”, para usarmos uma expressão já popularmente consagrada. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica para decisões judiciais que se referem a conteúdos jamais enfrentados e decididos em outras decisões emanadas pelo Poder Judiciário, máxime pela Corte Suprema.

– III 

As “decisões jabutis”, por nós assim denominadas, não são perniciosas apenas do ponto de vista da higidez e confiabilidade da qualidade dos pronunciamentos jurisdicionais, sobretudo num sistema de pronunciamentos legalmente dotados de efeitos vinculantes (CPC, art. 927).

Nos julgamentos aqui apontados, as “decisões jabutis”, levadas a efeito nas reclamações sobreditas, para além de serem passíveis de nulidade por revelarem-se, no ponto relativo à fixação e cumprimento dos honorários advocatícios, claras espécies de pronunciamentos extra petita, caso não venham a ser impugnadas tempestivamente pelas espécies recursais adequadas, tampouco pela via rescisória ou, em sendo objeto de sucessivas impugnações venham a ser mantidas, tornando-se coisa julgada soberana, trazem consigo, ao menos, dois problemas os quais reputamos gravíssimos e insusceptíveis de correção, quais sejam: (i) incompetência: a fixação de parte ou capítulo da condenação pelo juízo de origem (=da demanda sobre a qual foi proferida uma decisão objeto da ação autônoma) é funcionalmente incompetente, e (ii) imparcialidade, na medida em que, sendo ou não considerado o legitimado passivo[4] na reclamação, proferiu a decisão objeto da reclamação a qual foi cassada/anulada ou reformada e, em tese, prestou informações sustentando o ato (CPC, art. 989, I), o que, s.m.j., já demonstra o interesse na manutenção da decisão impugnada.

A incompetência nos parece evidente já que na reclamação o órgão com aptidão constitucional e legal para conhecer, processar e julgar a ação autônoma de impugnação, nas hipóteses cerradas constantes do art. 102, I, ´lc.c. art. 988, I, II, III, §5º II é o STF, não cabendo a nenhum outro órgão a decisão sobre quaisquer outras questões ou capítulos envolvendo os objetos constantes dos permissivos acima identificados e os pedidos a eles inerentes, sejam explícitos sejam implícitos (CPC, art. 322, § 1º).

Nessa lógica , mesmo que considerássemos que o STF teria firmado entendimento sobre a questão da “delegação” de competência ao juiz de origem para fixar a condenação às verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios, tal providência, mostrar-se-ia inconstitucional (art. 102, I, ´l`) e ilegal (CPC, art. 988, I, II, III, §5º II). Portanto, a competência funcional revela-se, à míngua de texto normativo autorizador, indelegável, incindível e intransferível.

Da mesma forma, a imparcialidade no seu viés subjetivo-psíquico é gravemente comprometida na hipótese em que caberá ao prolator da decisão reclamada fixar a condenação da verba honorária, em um procedimento no bojo do qual sua decisão primeira foi cassada e/ou reformada (CPC, art. 992).

O fato de o julgador, no processo de origem, fixar parcela da condenação em favor do reclamante inicialmente prejudicado pela decisão impugnada e posteriormente alterada pelo STF é o suficiente para retirar-lhe a condição sine qua non do legítimo exercício da função jurisdicional. Sua parcialidade resta clara, na medida em que lhe fora imposto um rejulgamento indireto sobre a causa para poder aferir o quantum relativo aos honorários advocatícios[5] deverão ser suportados pela parte sucumbente, outrora favorecida pela decisão primeira. Não há dúvidas de que ao ter que reexaminar a causa para fixar a condenação aos honorários advocatícios, a imparcialidade em seu sentido subjetivo-psíquica[6] revelar-se-á tendenciosa na cominação da condenação, beneficiando indiretamente a parte que se sagrou vencedora na reclamação.

– IV 

O órgão do STF ao proferir os acórdãos nas Rcl´s 35.372, 31.296 e 42.797[7], a um só tempo, (i) criou no âmbito da jurisdição o que denominamos de “decisão jabuti”, agregando a um pronunciamento jurisdicional matéria não alegada e não enfrentada sequer no “precedente” invocado (Rcl 24.417); (ii) infringiu regras de competência funcional e (iii) desconsiderou a característica primordial da jurisdicionalidade, qual seja: a imparcialidade judicial, a qual, para ser atingida, não prescinde de um mínimo desapego psíquico de modo que o julgador torne-se, ao menos para o ato, capaz para proferir uma decisão imparcial, garantindo a concretização da garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e, ipso facto, o objetivo último do Estado Democrático de Direito.

Num ordenamento em que se prima pela vinculatividade perpendicular de provimentos jurisdicionais não é exagero advertir: — cuidem bem da detida análise dos julgados e dos “precedentes” nesses referidos, pois, não raramente, poderão encontrar “Jabuti(s)” caprichosamente ali escamoteados.

[1] Adverte-se que, neste artigo, a reclamação será abordada no ambiente do STF.

[2] Entre outros, destacamos: “AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INSTAURAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. CABIMENTO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A Lei nº 8.038/93 foi derrogada pela Lei nº 13.105/2015 (art. 1.072, IV), alcançando a expressa revogação, dentre outros, dos arts. 13 a 18 do diploma legislativo de 1990, passando o instituto da reclamatória a estar abalizado pelos arts. 988 a 993 do novel diploma processual, com previsão da instauração do contraditório (CPC, art. 989, III). 2. Embora ambos os institutos possuam sedes materiae na Lei nº 13.105/2015, a litigância de má-fé e os honorários sucumbenciais distinguem-se tanto na ratio de sua instituição quanto no beneficiário do provimento. 3. Cabimento da condenação em honorários advocatícios quando verificada a angularização da relação processual na ação reclamatória. 4. Agravo interno provido para fixar os honorários de sucumbência em 10% (dez por cento) sobre o valor do benefício econômico perseguido nos autos em referência (art. 85, § 2º, do CPC), cuja execução deverá ser realizada no juízo de origem” (Rcl 24464 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 27/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023  DIVULG 07-02-2018  PUBLIC 08-02-2018) e “AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO E DO TRABALHO. REMUNERAÇÃO. SÚMULAS VINCULANTES 37 E 42. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RECLAMAÇÃO. NOVO REGIME PROCESSUAL. CABIMENTO. 1. Não viola as Súmulas Vinculantes 37 e 42 decisão que, com base no Decreto nº 41.554/97 e Lei nº 8.898/94, ambos do Estado de São Paulo, garante a empregada pública cedida da Fundação Municipal de Ensino Superior de Marília para a Faculdade de Medicina de Marília – FAMENA o percebimento de remuneração conforme índices estabelecidos pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo – CRUESP. Precedentes. 2. O CPC/2015 promoveu modificação essencial no procedimento da reclamação, ao instituir o contraditório prévio à decisão final (art. 989, III). Neste novo cenário, a observância do princípio da causalidade viabiliza a condenação da sucumbente na reclamação ao pagamento dos respectivos honorários, devendo o respectivo cumprimento da condenação ser realizado nos autos do processo de origem, quando se tratar de impugnação de decisão judicial. 3. Agravo interno a que se nega provimento” (Rcl 24417 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082  DIVULG 20-04-2017  PUBLIC 24-04-2017) (g.n.).

[3] “DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. 2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos” (ADI 5127, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-094  DIVULG 10-05-2016  PUBLIC 11-05-2016).

[4] A identificação da parte passiva na reclamação é tratada de forma controvertida pela doutrina consultada. Entendendo que o réu na reclamação é a parte beneficiada pelo ato impugnado: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PAVAN, Cláudia Fonseca Morato. Reclamação e ação declaratória de constitucionalidade. In NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Reclamação constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 270; AZEVEDO, Gustavo. Reclamação constitucional no direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 236 e ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 8ª Ed., São Paulo: RT, 2016, p. 1065; DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de direito processual civil. vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 696.

Compreendendo que o réu é a autoridade que editou/proferiu a decisão (judicial ou administrativa) impugnada: DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucionalcontrole de constitucionalidade e remédios constitucionais. 7ª Ed. São Paulo: RT, 2020, p. 336; MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007, p. 121; LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: RT, 2011, p. 214/246; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes: contributo a um olhar crítico sobre o novo código de processo civil (de acordo com a lei 13.256/2016). São Paulo: RT, 2016, p. 116/117; BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 428; RAMOS, Gláuco Gumerato. Reclamação no Superior Tribunal de Justiça. In NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Ob. cit., p. 234-235; HOMMERDING, Adalberto Narciso. Reclamação e correição parcial: critérios para distinção. In NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Ob. cit., p. 55 e RIBEIRO DANTAS, Marcelo Navarro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 475.

[5] Mormente nas situações em que o valor atribuído à causa na reclamação for considerado “inestimável” ou “irrisório” o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, situações nas quais o valor dos honorários deverão ser fixados por apreciação equitativa, observado o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, critérios que embora tenta mitigar a discricionariedade são absolutamente fluídos e subjetivos (CPC, art. 85, §§ 2º e 8º) .

[6] Para um aprofundamento sobre a imparcialidade judicial, consultar: DANTAS, Rodrigo Dório. A imparcialidade no divã. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Livro eletrônico; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. Salvador: Juspodivm, 2018 e SOUSA, Diego Crevelin. Impartialidade: a divisão funcional de trabalho entre partes e juiz a partir do contraditório. Belo Horizonte: Letramento, 2021.

[7] Vale mencionar que na Rcl 42.797 foram opostos embargos de declaração os quais somente foram providos em razão de a decisão reclamada ter sido proferida por órgão administrativo (Conselho Nacional de Justiça), impossibilitando a concretização da “delegação” de competência por um órgão desprovido de competência jurisdicional. A propósito, vale a transcrição dessa passagem do julgamento: “(…). O presente caso impugna decisão administrativa, proferida pelo Conselho Nacional de Justiça, motivo pelo qual afasta-se o precedente supracitado, já que impossível ao Órgão Administrativo, desprovido de competência para tanto, fixar a sucumbência e, eventualmente, executá-la. 4. Diante do valor inestimável do proveito econômico, propõe-se a fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa (art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC). 5. Embargos de Declaração acolhidos para condenar a parte sucumbente na presente Reclamação ao pagamento de honorários advocatícios no importe de R$ 1.000,00 (mil reais)” (Rcl 42797 AgR-ED, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 27/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-085  DIVULG 04-05-2021  PUBLIC 05-05-2021).

Autor

  • Júlio César Rossi é Pós Doutor pela Universidade de Coimbra (UC/PT). Estágio pós doutoral na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado da União (AGU).
    Mateus Costa Pereira é Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor de Processo Civil da UNICAP. Membro-Fundador e Diretor de Assuntos Institucionais da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo (ANNEP) e do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). Advogado.

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