88. CALMON DE PASSOS E A SUA CONTRIBUIÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL DEMOCRÁTICO.

André Luiz Maluf de Araújo [1]

Sumário

1.Saudação a um Garantista.  2.  Democracia e República. 2.1 A Democracia. 2.2. A República. 2.3 O constitucionalismo 3. O direito processual e seus principais aportes. 4. Os sistemas processuais. 4.1 O processo como efetivador dos direitos fundamentais. 4.2 O processo dispositivo acusatório. Conclusão

Com muita alegria escrevo sobre José Joaquim Calmon de Passos, que antes de mais nada tinha uma preocupação enorme com o direito e suas repercussões no social, conforme escritos neste sentido[2].

O professor Calmon de Passos tratou como pouco e com maestria sobre a democracia, república, e o direito processual, enfim o direito como um todo.

Das várias formas de enfrentar o pensamento do mestre, preferiremos inicialmente dar algumas explicações preliminares que consideramos relevante – uma contribuição transcendental do direito processual para o sistema democrático: a ferramenta que permite em última instância a plena realização dos direitos fundamentais.

Será inevitável avançar em nosso desenvolvimento para abrir as portas do direito processual, identificarmos suas ligações e relações com outros ramos do conhecimento jurídico e com outras disciplinas do conhecimento humano. O que nos parece um desafio inevitável no limiar do século XXI, a fim de iluminar seu constante enriquecimento e aprimoramento, onde será viável intensificar em maiores proporções, recorrendo ao exame multidimensional na face interna e multidisciplinar na face externa.

Na verdade, essa disciplina apaixonante frequentemente nos coloca diante de desafios que põe a prova os avanços teóricos que adquirem entidade e se realizam quando desembarcamos na prática.

Não podemos esquecer, que já faz mais de setenta anos que o mundo testemunhou um marco na história do direito, cuja dimensão talvez ainda não estejamos totalmente conscientes, e que nos obriga a revisar e repensar até hoje, certas posições jurídicas.

Este sucesso não é outro senão a adoção e proclamação pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 217, de 10 de dezembro de 1948, sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O horizonte do direito processual, sem dúvida, se estende em grande parte graças à possibilidade de desenvolver uma nova abordagem que a partir da mão dos direitos fundamentais reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos – permite examinar e reelaborar conceitos que considerávamos quase dogmáticos[3].

A ideia de que o homem é o centro e o fim de todo sistema jurídico, abrindo caminho para uma nova perspectiva. Perspectiva que, tentaremos com base nas lições do mestre Calmon, seja guia das próximas páginas.

2.Democracia e república

Quase como uma obrigação anterior a qualquer explicação jurídica e política, além de antecipar o ponto de partida e o enfoque pelo qual optamos, os problemas decorrentes da multivocidade – ou expressão de duas ou mais atividades com o mesmo termo – e o equívoco – aplicação de um mesma palavra para fenômenos que não têm conexão direta – da linguagem fazem imperiosas as definições conceituais, e os esclarecimentos.

Ao construir as definições, vale lembrar e levar em consideração o que que foi destacado por Giovanni Sartori: a única diferença entre uma definição lexica e uma estipulação é que o primeiro se refere a convenções antigas e o último se refere a um novo que é proposto para observação futura. Então, em ambos os casos, estas são convenções, de modo que se as definições estipulativas são arbitrárias, também o são as lexicográficas. De onde tiramos que, admitir que as definições do dicionário podem ser verdadeiras ou falsas é incorrer em uma petição de princípio, já que só pode ser verdadeiro ou falso nossas informações sobre o uso de uma determinada palavra por certas pessoas e não a própria definição, que permanece sendo uma estipulação e, portanto, será adotado ou rejeitado apenas com base na utilidade.

Conclui-se que, em última análise, há apenas um tipo de definição, a estipulativa, que ademais varia de acordo com os tempos de existência das convenções  linguísticas antigas e modernas[4].

Consideramos que as principais desvantagens conceituais são refletidas nas noções de democracia e república, às quais dedicaremos nossa atenção.

Em relação ao direito processual, dadas as características e o acostumado nível acadêmico dos pretensos leitores, dispensaremos o aprofundamento das definições aqui. Se você quiser, basta apontar que o consideramos uma disciplina jurídica[5] cujo principal objeto de estudo é o processo, sem que aí se esgote, pois também trata de outras questões conectados, v. gr. os diferentes tipos de procedimentos ou a organização do poder judiciário.

Portanto, trataremos de dois conceitos que, apesar de serem tão estudados por outros ramos do conhecimento por séculos, não tem escapado a certas situações.

2.1. Democracia

Excede a estes parágrafos e a nossa capacidade de análise, uma tentativa de pretender estabelecer definitivamente o conceito de democracia. Por isso que nós ficaremos satisfeitos em apenas apontar o que isso pode significar para nós, este propósito de desenvolvimento.

O mundo antigo, moderno e contemporâneo tem questionado nesse sentido, basta ver pensadores como Tucídides, Demóstenes, Platão, Xenofonte, Aristóteles, Locke, Rousseau, Constant, Mill, Tocqueville, Marx, Kelsen, Schumpeter, Mc Pherson, Popper, Habermas, Sartori, para ficarmos apenas nestes.

Dado que o conceito de democracia[6] tem sido aplicado tanto a certas ações humanas individuais ou sociais, bem como certas formas de governo, acreditamos ser apropriado iniciar sua abordagem ecoando a distinção entre democracia formal e democracia substancial.

Embora alguns autores as dividam ou as considerem como dois graus diferente do mesmo conceito, concordamos com quem argumenta que ambas democracias são elementos constituintes da democracia autêntica ou democracia real: são as duas faces da mesma moeda. Se trata de dois aspectos distintos, mas que não devem ser separados, uma vez que a mera ausência de um deles resulta na presença de um regime que não pode ser marcado como democrático [7].

Democracia formal ―também adjetivada como processual ou jurídica, é constituída pelo aspecto técnico processual, por um conjunto de procedimentos de decisão. Embora não possamos reduzir a democracia aos procedimentos, não podemos esquecer que ela precisa e exige técnicas de decisão, procedimentos e instituições específicas.

O Estado de Direito está inserido na face formal da democracia; de lá podemos encontrar ao longo da história exemplos de estados de direitos que não eram democráticos ou que legitimavam violações de direitos fundamentais[8].

Vale assinalar, que desde meados do século XIX, o conceito de maioria e minoria na democracia vem mudando radicalmente de valor. Na ciência política americana, a expressão “democracia Madisoniana” lembra que a democracia não se define como poder onímodo da maioria, mas como garantia dos direitos intangíveis das minorias, o que implica num conjunto de limitações institucionais e sociais à soberania majoritária, e que deram origem ao conceito de democracia constitucional.

Nesse sentido, podemos adicionar a voz de Luigi Ferrajoli, que tem enfatizado que a regra da maioria pode acabar destruindo a democracia, pois a vontade da maioria por si só não garante a qualidade de um sistema jurídico. A constitucionalização dos direitos fundamentais mostra que nenhuma maioria pode limitá-los, pois o constitucionalismo mostra que não há poderes absolutos, de forma que todos nós somos titulares da Constituição desde que os direitos fundamentais pertençam ao homem[9].

Democracia em seu sentido substancial ou material – também conhecido como uma democracia ética ou política – está em conformidade com um sistema político que tenta tornar a igualdade e a liberdade eficazes. A origem etimológica da palavra Democracia – demos: povo, kratos: poder – expressa seu significado.  A democracia é o poder do povo, é uma forma de governar onde é o povo que governa. Mas desde os tempos antigos, também significa outra coisa:  é o regime de liberdade e igualdade de direitos entre os cidadãos.

A democracia em seu aspecto substancial mostra respeito pela liberdade, pluralismo e participação minoritária para priorizar o consenso.

Em última análise, entendemos que, para delinear uma ideia de democracia compreensiva, de um respeito total pelo homem e seus direitos fundamentais, é necessário integrá-lo bidimensionalmente de acordo com sua faceta formal e substancial.

2.2. A República 

Às vezes, o termo república – antigamente confundido com Estado – está confinado simplesmente à designação de uma forma de governo, opondo-se à monarquia pela alternância ou rotação de poder que ela implica.

Por esta razão, Montesquieu distingue dois tipos de repúblicas: as aristocráticas – onde vários, mas não a maioria – governam e as democráticas, onde o poder pertence à maioria do povo.

Se tem exposto, seguindo autores como Bobbio, Sartori, Montesquieu, Habermas ou Rawls que uma república é marcada – entre outras características por: a) uma divisão clara de poderes, b) intercontrole recíproco entre eles, c) o respeito pela dignidade da pessoa, d) poder a serviço da sociedade e não vice-versa, e) a validade irrestrita das garantias constitucionais e f) limites precisos e bem definidos para o poder de autoridade.

Portanto, não são repúblicas – nem em substância nem em forma – regimes monárquicos, os regimes autocráticos, ditatoriais ou totalitários, por mais que se intitulem de maneira representativa no cenário político internacional[10].

Com o decorrer do tempo, os conceitos de república e democracia foram mostrando certa evolução e até mesmo significados diferentes. Então esta diferenciação pode ser pouco nítida.

Esta ideia foi compartilhada pelo processualista argentino Efraín Quevedo Mendoza quando apontou em um congresso garantista, que o primeiro obstáculo vem da ciência política, não acertando um critério uniforme e moderadamente seguro para individualizar e distinguir ambas noções. A volatilidade da importância desses dois termos na ciência política tem favorecido, inclusive, sua frequente utilização como sinônimos, sendo necessário distingui-los na recente história mundial, assim república “democrática” da “autoritária” ou “totalitária”, e a democracia “republicana” da “monárquica” e da “popular”[11].

2.3 O constitucionalismo

Assim como diferenciamos republicanismo e constitucionalismo, é possível distinguir o último da democracia, uma vez que às vezes se misturam terminologicamente.

As vezes democracia e constitucionalismo representam dois significados muito diferentes. Tanto é assim, que como exemplo de democracia sem constituição, lembramos que os britânicos nunca aprovaram um texto constitucional para solenizar a organização e divisão de seus poderes políticos ou os direitos de participação política e a liberdade.

Também podemos encontrar casos de constituições não democráticas e de constituições que não funcionam em certas circunstâncias como barreiras à subversão política: as restrições constitucionais não libertaram vários povos de vários golpes de estado e os britânicos se saíram muito bem de catástrofes políticas sem tais restrições.

Em suma, democracia, república e constitucionalismo, são conceitos que não podemos confundir, pois podem representar destacável sinergia em favor de um modelo pro homine, organizando de maneira adequada a esfera política e a estrutura do estado, protegendo os direitos e garantias das pessoas.

  1. O direito processual e suas principais contribuições para o sistema democrático

Dos laboratórios processuais podem surgir toda classe de códigos, figuras ou recomendações que por sua vez podem ser adotados de diferentes formas por um Estado totalitário, autoritário ou democrático. Isso motivou que um setor propiciara e difundia uma visão asséptica de um direito processual que unicamente abrigava tecnicismo.

No entanto, esta posição promoveu um desenvolvimento introvertido do procedimentalismo, sem grandes avanços na exploração de relações com outros ramos do conhecimento jurídico ou do conhecimento humano. Para completar, este isolamento foi útil para sustentar códigos e normas ignoradas pela ideologia política do estado em que regiam. Não demorou muito para aparecer atritos entre ordenações de adjetivos e os postulados constitucionais em muitos países, o que acabou influenciando negativamente em seus sistemas de Justiça.

Como mostramos, se a democracia precisa do processo jurisdicional para tornar os direitos fundamentais finalmente eficazes, nem é preciso dizer que o sistema democrático só pode abrigar dentro de si um processo que compartilha e respeita seus valores.

Observa-se no exposto, que o reducionismo do direito processual apenas ao tecnicismo, tem transbordado na necessidade de comparar as propostas com muitas outras variáveis.

Concordamos com Juan Montero Aroca quando ele insiste que nesta altura dos tempos, não deveria ser necessário lembrar que na configuração essencial do processo concorrem evidentes elementos ideológicos, que são determinantes na existência de vários modelos teóricos de processo, e de que as leis se moldam num modelo ou outro[12].

O professor espanhol destaca que o debate sobre a suposta neutralidade ideológica da regulação do processo é algo de há muito superado, sendo absurdo  fingir não saber que todo o direito processual é determinado pela concepção que venha das relações entre o coletivo e o individual, entre o Estado e a pessoa[13].

De tal sorte que não podemos negar ao processualismo a possibilidade de expandir seus laços com outras disciplinas ou estimular seu crescimento multidimensional. Esta pretendida abertura irá derramar contribuições de melhores qualidade no sistema democrático.

Além de outras contribuições relevantes do processualismo para o sistema democrático – estão as diretrizes para a organização judicial e dos procedimentos – doravante limitaremos nessa dedicação a sistemas processuais e processos. Justificamos a escolha no entendimento que a análise dos sistemas procedimentais ajuda a compartilhar o processo e respeitar as diretrizes democráticas, possibilitando a viabilidade e subsistência de um modelo pró homine (democracia orientada e voltada para a garantia das pessoas).

  1. Os sistemas processuais

A nosso juízo, no estudo dos sistemas processuais ainda existe um grande terreno inexplorado. Em veras, basta avançar que entendemos por sistema processual o método de ação judicial que governa determinada sociedade, constituindo no ponto de partida de toda a sua estruturação jurisdicional.

Sabemos que ao longo da história, dois sistemas processuais foram apresentados: o acusatório ou dispositivo; depois o inquisitório ou inquisitivo – em ambos os casos, dependendo se o caso versa sobre matéria penal ou não. O primeiro consiste em um método onde dois sujeitos naturalmente desiguais discutem pacificamente em igualdade jurídica perante um terceiro imparcial agindo em caráter de autoridade, levando o debate para se for o caso, a uma sentença sobre a pretensão debatida. O segundo, é apresentado como um método de processo unilateral onde a autoridade é seu eixo, uma vez que tem plenos poderes para acusar, investigar, provar e julgar.

A escolha do método de Código de Processo cabe à sociedade, seja diretamente ou por meio de seus representantes tais como o constituinte, ou, na sua falta, o legislador – sendo de extrema importância o cuidado da compatibilidade sistêmica. Caso contrário, as consequências irão repercutir negativamente além do sistema processual, dificultando o desenvolvimento do macrosistema[14]. Portanto, a seleção da origem mostra-se inegável quanto as suas raízes democráticas, sem ser influenciada pela qualidade contramajoritária do poder judiciário como visto em muitos países.

Graças à globalização jurídica, o sistema processual que se implementa nas nações que respeitam o direito internacional dos direitos humanos deve ajustar-se a seus parâmetros. Portanto, pelo fato de que este emana diretamente da natureza humana – cujos direitos fundamentais são assegurados apenas em uma democracia pró-homine – é de toda lógica que o método de processo respeite suas diretrizes.

No entanto, existem inúmeros exemplos em que a nível constitucional se estabelece um desenho processual que não é seguido pelos códigos de procedimentos. Acertadamente, muitos tem advertido sobre a incompatibilidade que se observa nas Américas, onde o sistema acusatório é o adotado por todas as constituições do século XIX – muitos em vigor até hoje com seus paradigmas originais – na medida em que o sistema inquisitorial é o contido em leis processuais, que obviamente têm um estatuto jurídico inferior.

De onde surge clara a sua inconstitucionalidade. Em outras palavras, as constituições implementam um desenho triangular, no qual o juiz pode atuar com imparcialidade.  Em vez disso, as leis adotam o desenho vertical, em que o juiz não pode agir com imparcialidade, não importa quão boa seja sua boa-fé, e sua vontade posta em prática[15].

O acima apontado, representa um problema que requer uma solução urgente se o que se busca é uma melhor resposta do Judiciário à sociedade. Não é uma figura menor do que toda a estrutura jurisdicional que deve estabelecer-se em função de um sistema processual definido[16]. No entanto, o fato de que as leis procedimentais inferiores não respeitam o sistema processual das constituições ou, se preferir, a legislação internacional de direitos humanos, de modo algum isto deve ser entendido como alguma atribuição ou possibilidade do primeiro modificá-las.

Por este motivo, preferimos deixar a salvo o sistema processual colocando-os acima dos ordenamentos procedimentais contingentes, já que em uma democracia pro homine, aquele tem a vital missão de brindar e ofertar as ferramentas capazes de torná-los efetivos, quando for necessário, os direitos fundamentais.

Isso não impede a existência, em outros modelos autocráticos, estatistas ou totalitários, de um sistema processual cujos objetivos são muito diferentes, pois o homem não é o centro e o fim de um ordenamento jurídico.

4.1. O processo, ferramenta para efetivar os direitos fundamentais

Como explicamos, embora o processualismo ainda não tenha se ocupado o suficiente dos sistemas processuais, o contrário tem acontecido, mais em quantitativo do que em qualitativo, ao estudar o conceito mais transcendente que existe: o processo.

Aqui, dentre outros lembramos de Briseño Sierra[17].

Correto, Briseño Sierra, insistindo na distinção conceitual entre processo e procedimento, argumentou que este, por ser visível e encontrar-se em evidência, chamou a atenção da doutrina e da legislação por séculos e tantos os estudos como as leis foram classificados como procedimentais, quando em verdade atendiam o processo. Porém, a partir da metade do século XIX esta tendência foi modificada e se passou a enfatizar doutrinariamente o processo[18].

O autor acima citado acrescenta que esse esforço para libertar o processo do procedimento, levou a uma exacerbação de ideias e o procedimento, e foi quase esquecido ou minimizado. Os especialistas, procuram arrematar e aprofundar os conceitos, as ideias e as noções sobre o processo em geral.

No entanto, esta abordagem intensa do processo não ficou isenta de confusões e assimilações errôneas que, em última instância, isolaram o conceito em prejudicial à análise de suas relações sistêmicas.

Se buscamos que o direito se adapte definitivamente as profundas mudanças que o mundo apresentou nas últimas décadas, consideramos conveniente focar na detecção e correção da inoperatividade dos direitos fundamentais, e o que queremos para que sejam respeitados, tudo para evitar que gere um sistema processual inadequado.

Assim, aparecem as vantagens de se colocar o maior esforço na melhoria das ferramentas disponíveis para o sistema para tornar os direitos fundamentais efetivos, onde você pode apreciar plenamente a contribuição que realiza o direito processual, brindando o processo jurisdicional  como o método por excelência para atingir este objetivo[19].

Defendendo esta posição, observamos o processo como uma derivação da garantia de petição às autoridades, que através da ação processual contempla a única instância bilateral. Desta forma, estamos alinhando com os direitos fundamentais porque definimos seu ponto convergente no ser humano. Ser humano que convive em uma sociedade que precisa de paz e que cria o estado para seu benefício.

Portanto, o processo jurisdicional deve ser considerado como um método, não uma meta que permite ao homem manter a paz social, uma vez que é o instrumento ideal para fazer valer a sua liberdade e efetivar  os seus direitos contra qualquer limitação, violação, impedimento ou interferência emanada de outras pessoas – seja qual for sua natureza, incluindo o Estado.

Portanto, entendemos que o processo jurisdicional é um método de debate pacífico que segue regras pré-estabelecidas e se desenvolve entre partes antagonistas que atuam em condições de perfeita igualdade perante um terceiro imparcial[20], a fim de resolver uma disputa de forma heterocompositivamente[21].

Esta visão do processo como meio de debate por excelência para a proteção total dos direitos deve ser aplicada sempre que estiverem em litígio as partes, pois é o método que necessariamente deve ser respeitado para chegar a uma decisão que não desarticule o macrossistema.

Portanto, não nos parece apropriado que a imparcialidade ou igualdade das partes seja posta de lado aduzindo casos especiais com base no tipo de direito em questão, ou em que a debilidade de um contendor frente outro fica evidente, porque em última instância ou não, se estará discutindo e ouvindo adequadamente ou se terminará  privilegiando a aplicação de um critério pessoal de justiça de quem resolve, pois ali o que manda é o ordenamento jurídico.

4.2. Características democráticas do processo de dispositivo acusatório

Reiteramos, correndo o risco de pecar por excesso, que um macrossistema democrático centrado no homem e na vigência dos seus direitos fundamentais não podem prescindir de um sistema processual que compartilha e atenda a estes fins.

Em linhas gerais, o método de processo inquisitivo ou inquisitório mostra um esquema de concentração de poder, atividades e protagonismo na pessoa do juiz, de preferência compatível com regimes de características autocráticos, uma vez que a tônica é colocada mais na jurisdição do que nas partes litigantes. Como consequência direta, a imparcialidade e a independência do julgador não se encontram sustentadas no sistema,    que por sua vez, contém poucos controles e muita discricionariedade.

Por outro lado, o sistema dispositivo ou sistema acusatório permite diferenciar as atividades que são implantadas em todo o procedimento, atribuindo funções tanto para o tomador de decisões jurisdicionais, quanto para as partes.

Reconhecendo que se trata de um método, que promove o debate entre os contendores em pé de igualdade, e aceita o consenso da autocomposição antes da solução heterocompositiva.

Na América Latina, é o processualismo penal que recebeu no final do século XX, grandes doses de boas medidas de correlação entre democracia e o sistema acusatório, visto o contido em suas constituições.

Atualmente, a tendência está na aceitação de um paralelismo entre a democracia e o sistema acusatório. Mais ainda, muito se avançou inclusive com a correlação entre sistema acusatório e regimes democráticos e entre sistemas inquisitivos e regimes absolutistas[22]

Torcemos para que haja cada vez mais uma intensificação e uma união de esforços para a adequação conceitual da democracia, do processo e do procedimento considerando o direito internacional e os direitos humanos, ao tempo que devemos afinar as ideias sobre sistemas, princípios e regras processuais.

No entanto, não temos dúvidas de que o método acusatório em matéria penal e dispositivo no resto é o único compatível com a ideia de democracia que defendemos, uma vez que partilham de fundamentos básicos que permitem à pessoa realizá-lo plenamente.

Nesta ordem de ideias, a dignidade humana respeitada pela democracia se reflete no processo acusatório ou dispositivo acusatório graças ao exercício do direito de defesa e do estado de inocência de todos os acusados até que uma sentença final o condene.

A igualdade jurídica, promovida pela democracia, não constitui nada menos do que um princípio angular no processo que permite um debate sem preferências ou privilégios que beneficiam a uma das partes em detrimento de seu oponente. Porque no processo, o rico e o pobre, o grande e o pequeno, o maior e menor, obom e  o mau, o forte e o fraco têm idênticas oportunidades de agir, defender e ser ouvido. Igualdade que é conjugada com a imparcialidade do juiz.

O consenso também é obtido, conferindo às partes o protagonismo em promover o processo e reconhecer que se o seu direito é transigível antes de ser envolvido em um litígio, também o será no processo, é por isso que eles podem se autocomporem.

O diálogo, essencial para a democracia, também é essencial no processo acusatório ou dispositivo, uma vez que se baseia no debate entre as partes que, por sua vez, devem ser ineludivelmente ouvidas pela autoridade antes de sentenciar. Tanto que o objeto do processo é o próprio debate.

A segurança, outro dos pilares do sistema democrático, é bem-vinda no processo, que segue regras pré-estabelecidas e conhecidas, mas também resolve as disputas respeitando o direito e não nas manifestações voluntaristas de quem decide.

E a liberdade, finalmente, não se vê apenas no espelho da iniciativa da ação processual, na pretensão, do impulso processual e na autocomposição, tal como as aceitas no sistema acusatório ou dispositivo.  Porque o processo que segue diretrizes democráticas, nem mais nem menos, constituem o bastião da liberdade das pessoas e a última alternativa para fazer efetivos os direitos.

A celeridade, tão decantada hoje em dia, não pode ser menos que a efetivação de um devido processo.

Sem dúvida, concluímos que o processo jurisdicional enquadrado no sistema dispositivo-acusatório é inerente à própria natureza humana. Sem ele, a realização dos direitos fundamentais estaria à mercê do poder, fulminando-se toda possibilidade de subsistência de uma democracia pró-homine[23], já que o homem deixa de ser o centro do macrossistema. Na verdade, o processo torna possível que o sistema reconheça os direitos fundamentais como inerentes às pessoas e não como um dom concedido pelo Estado, verum, qui sunt qui scire quam exercere potentiam.

  1. Conclusão

Sem dúvida alguma, das leituras das obras e das palestras proferidas, retiramos que o professor José Joaquim Calmon de Passos, tinha uma grande preocupação com o poder, o direito e o processo, e assim com a justiça. O professor, respeitava a Constituição, como bem maior, e via que somente ela poderia fazer frente ao Poder Estatal, enfim temos que sim, o mestre tinha uma visão garantista, desde há muito.

Correto, estudar a vinculação e interdependência do direito processual com outros ramos do conhecimento nos coloca na problemática do exame em seu entorno, a fim de contribuir com a sua evolução, com um olhar extrovertido.

O que nos  abrirá as portas para uma sistematização adequada, enquanto os mencionados inconvenientes que gera a variação da linguagem imponha a necessidade adicional de explicar os conceitos que integram a perspectiva de um desenvolvimento.

Esboçamos com base nas leituras do mestre uma ideia de democracia bidimensionalmente integrada por uma faceta formal ou processual e uma faceta substancial ou material com o objetivo de priorizar o respeito ao homem e seus direitos fundamentais por meio de um modelo inspirado por contribuições transcendentais surgidas tanto da concepção republicana, principalmente divisão equilibrada de funções do poder e seu controle, publicidade de atos de governo, responsabilidade no exercício de funções públicas e periodicidade nos cargos que se ocupam, como do constitucionalismo – segurança e proteção de direitos fundamentais.

Uma visão sistemática é de grande utilidade para ordenar os conceitos e valorar sua interrelação e compatibilidade com o fim de fixar uma melhor coordenação entre os subsistemas.

Para obter um modelo democrático e centrado no ser humano,  tão falado e sonhado pelo mestre Calmon, se torna imprescindível a soma de vários fatores, que a seu turno, devem observar irrestritivamente os direitos fundamentais. Nestas circunstâncias, a democracia, sempre em sentido amplo, aporta valores que podem afirmar-se desde a segurança que brinda uma Constituição receptora do direito intrenacional dos direitos humanos. Em consequência, permanece o sistema  em direção ao homem, falando sobre proteção a vida, a liberdade, a dignidade, a igualdade, a segurança, a paz, e ao dialogo, o respeito a lei e aos outros direitos inerentes ao ser humano.

Qualquer trabalho destinado a melhorar os mecanismos de efetivação de certos direitos, ainda que não totalmente protegidos devido as deficiências sistêmicas, permitirá o avanço de uma verdadeira democracia orientada para o homem.

Essa evolução será obtida na medida em que o sistema for dotado de uma ferramenta idónea para realizar em última instância todos os direitos que se reconheçam ao ser humano. E o instrumento por excelência criado pela mesmo homem para isso – quando outras formas falharam – é o processo jurisdicional.

Apreciamos, pois que o processo transcende nossa disciplina para tornar-se um instrumento fundamental da democracia, realizando seu imprescindível aporte do sistema processual, subsistema daquele.

Entre as principais contribuições do procedimentalismo ao sistema democrático – onde encontramos as diretrizes da organização judicial[24] e os procedimentos, destacamos a relevância do exame dos sistemas processuais e do processo, já que a análise daqueles ajuda a que o processo  e processual, uma vez que a análise do primeiro auxilia o processo a compartilhar e respeitar diretrizes democráticas que permitam a viabilidade e subsistência de um modelo cujo centro é o homem.

O Direito falava Calmon, consequentemente, antes de ser um agente conformador ou transformador da convivência social, é, quase que exclusivamente, um instrumento assegurador de determinado modelo dessa convivência, o que só alcança em virtude e sem impositividade não há direito. Correto, pois, afirma-se que Direito e poder político são indissociáveis. Matriz do Direito é o poder e sua destinação é resolver conflitos impositivamente, vale dizer com segurança. A segurança, contudo (no sentido de uma ordem social com estabilidade e alguma previsibilidade), não pode prescindir de um mínimo de aquiescência dos dominados e da redução, ao máximo, da possibilidade de sua resistência. Donde se buscar a solução do conflito com certo grau de satisfação do dominado – um grau mínimo que seja satisfação capaz de possibilitar a paz social.

Em suma, orientar e aproximar o direito processual da democracia, a república e a Constituição é um primeiro passo inevitável que devemos dar para que a sociedade deixe de vê-lo como uma série de tecnicismos e formalismos, que só são úteis quando se trata de frustrar direitos e evitar obrigações.

Chegará o momento, então, em que será devidamente valorizado, reconhecendo que sua contribuição torna possível fazer valer direitos em qualquer sistema pró-homine democrático.

[1] Formado em Ciências Jurídicas (1988) pela – FUCMT – Campo Grande, Mestrado em Direito Processual Civil (89/91) pela USP/SP – Largo do São Francisco, Pós-graduado (Latu Sensu) em Direito Constitucional e Direito Administrativo – Membro do IBDC, possui estudo na Universidade de Milão (1991), Membro da ADPMS, ABDPRO e do IPDP. Advogado, foi Juiz Substituto do TRE/MS. Professor de Direito Processual Civil – Direito Civil e Direito Constitucional. Parecerista da Revista Brasileira de Direito Processual.

[2] CALMON DE PASSOS, José Joaquim.  In “Direito, poder, justiça e processo, julgando os que nos julgam”, Editora Forense, 1999, pp. 51/2: “Sintetizando e concluindo. A ordenação da convivência humana não tem sua matriz no direito, sim na dinâmica dos confrontos políticos em sua interação com os fatos econômicos. Ao Direito cabe apenas vinculá-los, explicitar a face do poder organizado e assegurar, nas situações de conflito, o quanto de satisfação das necessidades se fizer viável, nos termos e nos limites de quanto institucionalizado. O Direito, consequentemente, antes de ser um agente conformador ou transformador da convivência social, é, quase que exclusivamente, um instrumento assegurador de determinado modelo dessa convivência, o que só alcança em virtude e sem impositividade não há direito. Correto, pois, afirmar-se que Direito e poder político são indissociáveis. Matriz do Direito é o poder e sua destinação é resolver conflitos impositivamente, vale dizer com segurança. A segurança, contudo (no sentido de uma ordem social com estabilidade e alguma previsibilidade), não pode prescindir de um mínimo de aquiescência dos dominados e da redução, ao máximo, da possibilidade de sua resistência. Donde se buscar a solução do conflito com certo grau de satisfação do dominado – um grau mínimo que seja satisfação capaz de possibilitar a paz social. Conclui-se, portanto, que a própria condição humana impõe a vida em sociedade que, por seu turno, exige a organização da vida social , pelo que se faz presente, de modo necessário, o fenômeno do poder político, indispensável em virtude da imperiosa necessidade de disciplinar-se impositivamente a divisão do trabalho social e a apropriação do produto dele resultante…”.

[3] Enfatiza Calmon de Passos: “-Para concluir, gostaria de refletir, sumariamente, sobre a relação entre o Direito c o processo de sua produção:

  1. a) Operando sobre o que integra o mundo físico (matéria, material) o homem, pelo trabalho, transforma o dado pela Natureza em algo que, sendo produto, permanece matéria, vinculado à estrutura que lhe foi imposta. Matéria revestida de significação, de sentido, cumprindo uma função que lhe é atribuída pelo homem. porém matéria. A árvore de que faço tábuas não existe para isso, mas o homem pode destiná-la para isso. Se a madeira não é a cadeira que com ela se faz, a cadeira, mesmo enquanto produto, permanece sendo madeira (árvore morta) como a árvore (viva) de que proveio; e subsiste como tal, depois de produzida e dissociada do processo de sua produção, porque é matéria.
  2. b) No operar o homem com o que produz sociedade, as coisas se passam diversamente. Aqui, o agir humano se dá em termos de comunicação, expectativas compartilhadas, inexistindo a matéria ou o material no sentido que se dá ao termo; c se de algum produto se pode falar, será ele constituído pelo sentido compartilhado (comunicação). A ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas na específica condição de homem. em sua singularidade.
  3. c) O Direito, já foi dito, não existe na Natureza, é produzido pelo homem, mas ele não se reifica como os objetos produzidos pelo trabalho. Situa-se no universo do discurso e da ação e somente é enquanto discurso e comunicação, linguagem, processo, fazer, operar….”“in”Função Social do Processo in Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, v. 9, n. 2, abr./jun. 1997, pp. 56/7).

[4] Cfr. Giovanni Sartori: Teoría de la Democracia. Parte 2: Los Problemas Clásicos. Versión española de Santiago Sánchez González. Ed. Rei Argentina, Buenos Aires, 1990, pp. 322/323

[5] E uma disciplina ou ramo do direito, porque conta com conceitos elementares e próprios de transcendência, como a ação processual, a pretensão e o processo, que por sua vez, podem sistematizar-se e relacionar entre si junto a outros que forma parte de seu eixo.

[6] Assinala Luigi Ferrajoli que a democracia tem sido eficazmente definida como uma técnica de convivência orientada a uma solução não violenta dos conflitos – assim “El garantismo y la filosofia del derecho, Tradução castelhana de Geraldo Pisarello, Alexei Julio Estrada e José Manuel Diaz Martin. Universidad Externado de Colombia, 2000, p. 92

[7] Assim BONAVIDES, Paulo. Ciência politica, São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 2016, 23a. revista e atualizada.  Também, do mesmo autor  e editora –Teoria Constitucional da Democracia Participativa, 2001..

[8] RICARDO L. LORENZETTI ensina que com uma finalidade didática que podemos distinguir entre uma concepção de direito “descendente” e outro “ascendente”. O modelo “descendente” aceita que uma autoridade centralizada possa impor a toda a comunidade um determinado corpo de valores e concepções de vida. Essa noção amplamente conhecida tem sido criticada desde então, pelo menos três pontos de vista: o primeiro é que podem ser ideias que violam a concepção básica do humano, como a superioridade racial, que seria legitimada com o Estado de Direito. A lei e a segurança que ela oferece foram insuficientes para prevenir os desvios nazistas, e por isso tem recorrido a limitações de competência das maiorias, bem como o controle de suas decisões com base em critérios de razoabilidade e princípios morais ― Assim, El paradigma del estado de derecho, Revista Juridica La Ley, ed. Buenos Aires, 2005, p. 1415.

[9] FERRAJOLI. Luigi. Artigo El derecho como sistema de garantias, Montevideo, 1999, p. 209.

[10] Cfr. Robert Marcial González: Alcances de la prueba judicial dentro de un sistema de enjuiciamiento republicano. Publicado en Confirmación Procesal. VV.AA., colección Derecho Procesal Contemporáneo, dirigida por Adolfo Alvarado Velloso y Oscar Zorzoli. Ed. Ediar, Buenos Aires, 2007, p. 151

[11] V. Efraín Quevedo Mendoza: República, Democracia y Proceso. trabalho apresentado no

VIII Congreso Nacional de Derecho Procesal Garantista, Azul, Argentina, Novembro de 2006.

[12] Cfr. Libertad y autoritarismo en la prueba. Publicado en Confirmación Procesal. VV.AA., colección Derecho Procesal Contemporáneo, dirigida por Adolfo Alvarado Velloso y Oscar Zorzoli. Ed. Ediar, Buenos Aires, 2007, p. 208.

[13] Ibidem

[14] Vale a advertência feita por Franco Cipriani em artigo intitulado “I PROBLEMI DEL PROCESSO DI COGNIZIONE TRA PASSATO E PRESENTE”,  relacionado ao problema da justiça na Itália – Facoltà di Giurisprudenza  dell’Università di Roma «La Sapienza»  dal 14 al 16 novembre 2002 per iniziativa dell’Associazione  italiana dei costituzionalisti, dell’Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile  e dell’Associazione fra gli studiosi del processo penale. Neste artigo, o mestre faz todo um arcabouço histórico de algumas legislações que influenciaram o CPC Italiano e demonstra os perigos de se efetuarem reformas sem se observar o momento político e os reclamos do jurisdicionado.

[15] Cfr. Adolfo Alvarado Velloso: La imparcialidad judicial y la prueba oficiosa. Publicado em “Confirmación Procesal”. VV.AA., colección Derecho Procesal Contemporáneo, dirigida por Adolfo Alvarado Velloso y Oscar Zorzoli. Ed. Ediar, Buenos Aires, 2007, p. 12.

[16] Aqui também vale citar o homenageado: “ Desde a decisão constituinte, que instaura um ordenamento jurídico, passando pelas decisões intra-sistêmicas, tomadas pelos órgãos constitucionalmente legitimados, desde as que se revestem de generalidade até a decisão judicial, que disciplina, em termos particulares, a solução dos conflitos que deixaram de ser solucionados por outras instâncias sociais.  O ordenamento jurídico é o texto jurídico em bruto, produzido sob a pressão dos fatos políticos, econômicos etc. e é esse texto bruto que deve ser submetido ao refinamento e reelaboração pela ciência do direito, gerando-se um novo texto que reflete o primeiro e ao mesmo tempo o completa. Esta é a tarefa da dogmática, e o produto de seu labor é a idéia de sistema jurídico, um esforço no sentido de emprestar coerência, consistência e previsibilidade ao que, no seu estado bruto, sempre esteve distanciado dessas preocupações. Neste nível se identificam as instituições e as normas jurídicas e as ações concretas que estruturam o sistema jurídico”. Calmon de Passos in “O magistrado, protagonista do processo jurisdicional?”  Revista Eletrônica do Direito do Estado, n. 24-out/nov/dez de 2010, Salvador- Bahia.

[17] Cfr. El derecho procedimental. Ed. Cárdenas, México D.F., 2002, p. 631

[18] Calmon de Passos, fala que o processo, no âmbito do jurídico, não é portanto, algo que opera como simples meio, instrumento, mas sim um elemento que integra o próprio ser do direito. Ob. Cit, p. 68.

[19] A velha separação entre processo civil e processo penal, que implicava um tratamento diverso entre um e outro, chegando inclusive aos princípios, diferentes para cada um. Isto tem sido superado nos últimos tempos com a aceitação de uma teoria unitária, ao qual, sem dúvida, aderimos. A referida teoria da unidade está totalmente adaptada para uma orientação que respeite os direitos e garantias das pessoas ―que não pode ser ignorado sob qualquer pretexto – por não limitar seu escopo ou aplicação de acordo com a classe ou ramo dos direitos levados a julgamento.

[20] Imparcialidade entendida em um sentido amplo, composto pela imparcialidade propriamente dita, a independência e a impartialidade do julgador. Temos alguns tipos de imparcialidade: a. imparcialidade subjetiva que é a imparcialidade judicial propriamente dita, tomada em seu sentido mais estreito. Está representada simbolicamente pela venda que cobre os olhos da deusa da mitologia romana JUSTITIA; b. imparcialidade objetiva que pressupõe esforço por neutralidade judicial em relação ao objeto do processo; c.  imparcialidade valorativo-probatória que pressupõe esforço por neutralidade judicial em relação ao peso da prova; d. imparcialidade procedimental que pressupõe esforço por neutralidade judicial em relação ao procedimento da lei, e, e. imparcialidade normativa pressupõe esforço por neutralidade judicial em relação ao direito aplicável, tudo como bem ensina Eduardo José da Fonseca Costa, em sua consagrada obra “Levando a Imparcialidade a sério, ed. Juspodium, 2018.

[21] Nos casos em que a autocomposição não funciona, a solução de uma determinada disputa se fará por heterocomposição, desde que o pretendente corra à autoridade para obter uma sentença, uma vez que promoveu a abertura de um processo. Portanto, uma vez que o processo é um meio de debate que busca a heterocomposição, seu objetivo nada mais é do que uma sentença de mérito.

[22] Cfr. Luigi Ferrajoli:  Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal, 4ª., edição, RT, 2014, tradução Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes, nota 84 do livro.

[23] A Teoria Geral dos Sistemas nos fornece orientações importantes que sem dúvida ajudam a delinear um modelo como o que queremos. Primeiro, nos ensina que os sistemas são feitos de peças que são colocadas em operação juntas de uma certa maneira para obter um objetivo. A relação entre as partes determina o que o sistema faz e como funciona em geral. Portanto, os relacionamentos no sistema são geralmente mais importante do que cada parte individualmente. Em geral, os sistemas que são construídos como blocos de construção de outros sistemas são chamados subsistemas. A dinâmica de um sistema está relacionada à mudança. Em segundo lugar, implica e sustenta a importância de um relacionamento de coordenação entre os componentes normativos do sistema jurídico em perfeita harmonia e congruência da parte com o todo. Portanto, a compatibilidade sistêmica – isto é, a harmonia entre o sistema e os subsistemas que a maquiagem – representa, é um dos principais aspectos a serem atendidos. Finalmente, a coerência constitui um aspecto fundamental dentro do sistema: é uma opinião difundida, tanto entre os aplicadores da lei como entre os teóricos jurídicos, que os sistemas jurídicos – mesmo que não sejam são coerentes – devem tender à coerência, como bem fala Losano e Vito Velluzzi “Interpretación Sistemática: ¿Un concepto realmente útil? Consideraciones acerca del sistema jurídico como factor de interpretación. Traduccion castellana de Amalia Amaya- Publicado en Doxa, cuadernos de filosofía del derecho 21-I, 1998, p. 72- consultado través do site http://www.cervantesvirtual.com/portal/DOXA/cuadernos.shtml.

[24] Calmon de Passos, sempre escrevia mostrando que o Judiciário é poder e, como tal, participa do poder político. Sinalizava ainda o mestre, que os juízes no exercício das suas atribuições e no cumprimento das suas funções estão sujeitos apenas à lei. Observando que a submissão à lei não implica que a independência tenha um limite na lei, nem que a submissão à lei seja uma exceção à independência. Pelo contrário, se a função jurisdicional consiste no cumprimento da lei objetiva, o juiz tem autonomia para satisfazer reclamações e resistências apenas de acordo com a lei objetiva, salvo outras condições. Submissão à lei não implica submissão a qualquer lei, mas submissão apenas à lei constitucional.

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